Gabriela Moncau e Júlio Delmanto*
Um ano após a fatídica “Operação Sufoco”, conhecida como “Operação Dor e Sofrimento”, novamente janeiro se inicia sob ameaça de violações de direitos humanos na região conhecida como “cracolândia”, no centro de São Paulo.
Desta vez, o governo estadual sinaliza, inclusive em artigo publicado por sua Secretária de Justiça na Folha de S.Paulo, a disposição de implementar uma política de internação compulsória em massa de usuários de crack. Pobres, evidentemente, ou a PM e a Assistência Social levarão suas camisas de força aos Jardins e ao Morumbi?
Inicialmente, cabe ressaltar que nem todo uso de crack é problemático. É absolutamente incorreto proceder como a Secretária e chamar de “viciado” a todo frequentador da “cracolândia” ou usuário – qual a base utilizada para este diagnóstico?
O pânico em torno da suposta “epidemia” no consumo de crack foi construído, política e midiaticamente, sobretudo por conta das populações pobres que fazem um consumo mais visível, afinal a prática é disseminada por todas as classes sociais. É sempre mais fácil culpar uma substância do que olhar para a complexidade causadora e mantenedora da vulnerabilidade de pessoas alijadas de todos seus direitos.
Se não houvesse crack estariam resolvidos os problemas da população vulnerável de São Paulo? A utopia da guerra às drogas, que prega o desaparecimento de algumas substâncias enquanto se esbalda no dinheiro de álcool, tabaco e remédios, resolve a demanda urgente por moradia, trabalho, educação, saúde ou serve somente para desviar a atenção dos verdadeiros problemas?
Em seu artigo, a Secretária de Justiça lembra que a lei federal 10.216/2001 prevê internações involuntárias e compulsórias. De fato, tratamentos não voluntários são não só legais como necessários em casos extremos de risco de morte. No entanto, ela convenientemente esqueceu-se de outro trecho da mesma lei, que define que “a internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes”.
Esqueceu-se também que o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas tem como premissa, em seu artigo 4, o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, especialmente quanto à sua autonomia e à sua liberdade. Além disso, o artigo 22 demanda, como diretriz, a existência de um projeto terapêutico individualizado e orientado para a inclusão social.
O que o governo estadual, premido pela busca da higienização social de áreas altamente cobiçadas pela especulação imobiliária, principal financiadora das campanhas políticas no Brasil, busca fazer é transformar a exceção em norma, através da internação em massa de pessoas as quais nunca foram oferecidas outras alternativas. Um processo que além de higienista é ineficiente: o respeitado psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira indica que cerca de 98% das pessoas internadas involuntariamente sofre recaídas.
Depois de milênios convivendo com o uso de drogas utilizando de controles sociais não penais, nossa sociedade tem apostado no modelo proibicionista há cerca de um século, com resultados desastrosos. Além de não diminuir o consumo, a proibição representa não só violência do crime e do Estado e corrupção, mas também uma mentalidade autoritária que impede tratamento eficiente ao minoritário uso problemático. “Não há maior sinal de loucura do que fazer uma coisa repetidamente e esperar a cada vez um resultado diferente”, já disse Albert Einstein – até quando vamos autorizar nossos políticos a seguirem agindo de forma tão insana?
* Gabriela Moncau e Júlio Delmanto são jornalistas e membros do Coletivo Desentorpecendo a Razão (DAR) e da Frente Nacional Drogas e Direitos Humanos.
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/11564
Nenhum comentário:
Postar um comentário