segunda-feira, 22 de março de 2010

Em São Paulo, menina é "esquecida" no Pinel por 4 anos...


Menina é "esquecida" no Pinel por 4 anos

LAURA CAPRIGLIONE
da Folha de S.Paulo
MARLENE BERGAMO
repórter fotográfica da Folha de São Paulo

FOLHA DE SÃO PAULO - 21 de março de 2010

A menina 23225 --é assim que ela está registrada nos prontuários médicos-- foi internada aos 11 anos no Hospital Psiquiátrico Pinel. "Inteligente, agressiva, indisciplinada, sem respeito, fria e calculista", escreveram dela os que a levaram à instituição-símbolo da doença mental de São Paulo.
Psiquiatras, enfermeiros e psicólogos do Pinel logo viram que o caso de 23225 dispensava internação. Deram-lhe alta. Mas, como a garotinha não tem quem a queira por perto, já são mais de 1.500 dias, ou 4 anos e três meses esquecida dentro da instituição de tipo manicomial.
A menina não é psicótica ou esquizóide; não é do tipo que ouve vozes ou vê o que não existe. Uma médica do hospital resumiu assim o problema: "O mal dela é abandono".
Em termos técnicos, 23225 foi catalogada no Código Internacional de Doenças como sendo F91, que designa transtorno de conduta --desde agressividade até atitudes desafiantes e de oposição.
Miudinha, cabelos cacheados, 23225 tinha apenas quatro anos quando a avó colocou-a em um abrigo para crianças de famílias desestruturadas. O ciúme, diz a mulher, vai acabar com ela. Era só 23225 ver outra criança recebendo carinho e armava uma cena. Jogava-se no chão, chorava. Virou "difícil".

BUQUÊ NO CHÃO

Até os sete anos, a menina não conhecia a mãe, que cumpria pena por roubo e tráfico de drogas. A mulher é usuária de crack. Reincidente, enfrenta agora outra temporada de sete anos atrás das grades.
O primeiro encontro das duas foi um desastre. Uma saía da Penitenciária Feminina, a outra a esperava, vestidinho branco, e um buquê de flores para entregar. A mulher xingou a filha e o buquê ficou no chão.
No dia 8 de novembro de 2005, o abrigo conseguiu que um juiz internasse 23225 na Clínica de Infância e Adolescência do Pinel, voltada para quadros psiquiátricos agudos. Os atendimentos duram no máximo 18 dias e o paciente é logo reenviado para seu convívio normal. Se cada 18 dias contassem como uma internação, a menina 23225 já teria sido internada 86 vezes.

DEITADA NA RUA

"Essa internação contraria toda e qualquer política atual de saúde mental, além de provocar danos irreversíveis, já que [a menina] vivencia cotidianamente a realidade de uma enfermaria psiquiátrica para casos agudos e é privada de viver em sociedade e de frequentar a escola", relatou o diretor do Pinel, psiquiatra Eduardo Augusto Guidolin, em 8 de março de 2007.
À Folha, a avó da menina, evangélica da igreja Deus é Amor, disse que acaba de conseguir um emprego com carteira assinada --serviços gerais, R$ 480 por mês. "Não vou pôr a perder por causa dela".
Certa vez, em fuga do Pinel, 23225 deitou-se no meio da rua em que mora a avó --queria morrer atropelada: "Eu tinha acabado de dizer que aqui ela não podia ficar".
O diretor do Pinel pediu a todos os santos dos abrigos: à Associação Aliança de Misericórdia, Parque Taipas, à Associação Lar São Francisco na Providência de Deus, ao Instituto de Amparo à Criança Asas Brancas, de Taboão da Serra, ao Abrigo Irmãos Genésio Dalmônico, ao Abrigo Bete Saider, em Pirituba, à Associação Santa Terezinha, ao Abrigo Amen-4, entre outros, que arrumassem uma vaga para 23225 viver. A menina moraria no abrigo, poderia frequentar uma escola, e receberia atendimento psiquiátrico ambulatorial em um Centro de Atendimento Psicossocial mantido pela Secretaria Municipal de Saúde.
Não deu certo. Ou os abrigos alegavam não ter vagas, ou diziam não ter vagas para alguém com o "histórico Pinel". Em duas oportunidades, dois abrigos concordaram em acolher a menina. Ela quis voltar para o hospital. Outras tentativas precisariam ser feitas.

PROTESTOS

O médico Guilherme Spadini dos Santos, então coordenador do Napa (Núcleo de Atenção Psiquiátrica ao Adolescente), do Pinel, escreveu ainda em 2005, em um relatório: "O isolamento social é extremamente prejudicial aos quadros de transtorno de conduta. O hospital psiquiátrico não é local para tratamento de longa duração. A paciente precisa ser encaminhada para serviço ambulatorial especializado para continuar seu tratamento e para que se promova sua reinserção na sociedade".
Em 18 de dezembro de 2006, o diretor do Pinel informava que a menina já se encontrava em alta médica havia vários meses, permanecendo na instituição por ordem judicial. "Essa situação permanece porque a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social não consegue nos indicar um abrigo para onde se possa encaminhá-la. [A menina] está sendo privada de uma vida social e educacional a que tem direito, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente."
Em 10 de novembro de 2009, Guidolin endereçou ao procurador regional dos direitos do cidadão do Ministério Público Federal, um ofício em que manifesta "indignação desta equipe técnica que por diversas vezes acionou o Judiciário solicitando a desinternação desses adolescentes que na ocasião precisavam apenas de um abrigo para moradia e dar continuidade a seu atendimento médico ambulatorial. Cabe à Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social definir o local de abrigamento."

OUTRAS CRIANÇAS

No mesmo texto, o diretor dizia haver outras crianças "nessa mesma situação".
Em 6 de agosto de 2008, o Pinel enviou ao Judiciário pedido de desinternação de 23225, e de dois outros adolescentes: L. (internado por ordem judicial em 3/2/2005, alta no mesmo ano) e A.C. (internada em 17/ 8/2007, em alta desde 12/11/ 2007).
Segundo funcionários do Pinel, até a última sexta-feira, apenas a adolescente 23255 seguia internada. Agora, a secretaria diz ter encontrado uma vaga para a menina.
Os nomes de 23255 e seus parentes foram suprimidos dessa reportagem, assim como quaisquer referências que permitam identificá-la, em atenção ao que estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Outro lado

"Faltam equipamentos do Estado para acolher e fazer o tratamento de pessoas com comprometimento psíquico", disse o Reinaldo Cintra Torres de Carvalho, juiz da Vara da Infância e da Juventude do Foro da Lapa, que cuida do caso da menina 23225. De acordo com o juiz, ela não tem condições de permanecer em abrigo com outras crianças, sem acompanhamento especial de um cuidador constante. "Quando está em crise violenta, não há como contê-la", disse.
"Já tentamos dois abrigos e o resultado foi muito ruim. Ela quebrou coisas, machucou a si e a outras pessoas. Por isso, foi mandada de volta para o Pinel, onde recebe tratamento segundo as possibilidades do Estado. Nas atuais circunstâncias, o Pinel é o melhor lugar para ela."
Sobre a negativa dos abrigos em receber a menina, o juiz afirmou: "Ninguém a aceita pelo histórico dela".
Ele concorda que toda a situação configura um desrespeito em relação ao Estatuto da Criança e Adolescente, "mas enquanto não houver os equipamentos ou outro lugar, ela tem de permanecer lá. Eu sou inerte. Não posso tomar a frente, tenho que esperar que algum órgão tome a iniciativa".

Secretaria da Saúde de São Paulo

Em nota, a Secretaria de Estado da Saúde, à qual o Pinel está subordinado, disse que "obedece decisão do Poder Judiciário para manter a paciente em sua enfermaria de agudos".
A secretaria e o hospital afirmam que o local indicado pela Justiça não é adequado, uma vez que o transtorno de conduta da paciente não justifica, sob o ponto de vista clínico, uma internação psiquiátrica.
"Tanto que o hospital vem trabalhando no sentido de procurar alternativas de moradia e tratamento da paciente em outros locais, como abrigos e Caps [Centros de Atenção Psicossocial]."

Prefeitura de São Paulo

A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social disse por intermédio de sua assessoria de imprensa que a menina 23225, até 2005, estava acolhida em um abrigo. Manifestava "comportamento por vezes agressivo". "Seu atendimento passou a ser isolado, em uma edícula, acompanhada de uma mãe social."
Segundo a assessoria, a secretaria vem buscando desde 2009 atuar "com o Hospital Pinel, a Vara da Infância da Lapa e o Centro de Atenção Psicossocial Infantil", em busca de "um atendimento integral à adolescente". "A secretaria e o abrigo R. conseguiram abrir uma vaga para a menina e já se iniciou o processo de transferência do Hospital Pinel para um abrigo."


Começa hoje o Fórum Social Urbano - Rio de Janeiro - Brasil

FÓRUM SOCIAL URBANO - 22 a 26 de março - Rio de Janeiro - 2010
















Maiores Informações: http://forumsocialurbano.wordpress.com/


Local: Ação e Cidadania – Avenida Barão de Tefé, nº 75, Saúde - Zona Portuária, Rio de Janeiro.
Veja a programação detalhada: http://forumsocialurbano.files.wordpress.com/2010/03/programacao_completa_fsu_final.pdf

Saudações Antimanicomais,
Prof Marco José Duarte e Equipe do NEPS/UERJ

sábado, 20 de março de 2010

Criada em São Paulo a Frente Parlamentar de Apoio à Luta Antimanicomial

Frente de Apoio à Luta Antimanicomial dá voz
a pacientes e recebe adesão de 23 deputados
Mais do que ouvir especialistas da saúde mental, o lançamento da Frente Parlamentar de Apoio à Luta Antimanicomial, quinta-feira, dia 18, na Assembléia Legislativa de São Paulo, deu voz a pacientes e familiares exporem, em depoimentos emocionados, as dificuldades vividas pelos portadores de transtornos mentais e os grandes desafios a serem superados.

Criada por projeto de resolução do deputado estadual Fausto Figueira (PT), a Frente nasce com a adesão de 23 parlamentares de diferentes partidos, com o intuito de propor medidas que contribuam para fortalecer e ampliar o serviço de atendimento da saúde mental, buscando ao mesmo tempo alternativas de tratamento e integração do paciente à sociedade e à família. Na coordenação, além de Fausto Figueira, estão os deputados Ana do Carmo, Simão Pedro, Vanderlei Siraque e José Cândido.

O lançamento reuniu parlamentares, profissionais de saúde, pacientes de núcleos de assistência psicosocial e familiares. Abrindo o evento, um desfile performático da grife DASDOIDA, criada pela Escola Experimental da Moda do Projeto de Saúde Mental do CAPS Itapeva.
Do debate sobre a “Reforma Psiquiátrica e as novas Tecnologias Psicosociais” participaram o coordenador nacional da Saúde Mental, Pedro Gabriel; a coordenadora estadual de saúde mental, Regina Bichaff; a coordenadora de saúde mental da cidade de São Paulo, Rosângela Lira;  Rogério Gianini, do Sindicato dos Psicólogos e Maria Salum de Morais, do Conselho Regional de Psicologia. Como mediadora, a psiquiatra Júlia Catunda, coordenadora da DASDOIDA.
Avanços e desafios - Fausto lembrou que apesar da vigência da lei 10.216/01, que estabeleceu a reforma psiquiátrica, os desafios permanecem enormes. “É um desafio coletivo, o sucesso da luta virá à medida que formos capazes de responder aquilo que preconiza a reforma psiquiátrica”.

A lei 10.216 busca consolidar um modelo de atenção à saúde mental aberto e de base comunitária. Isto é, que garanta a livre circulação das pessoas com transtornos mentais pelos serviços, comunidade e cidade, e ofereça cuidados com base nos recursos que a comunidade dispõe. Este modelo conta com uma rede de serviços e equipamentos variados.
O parlamentar alertou que a opção pela internação deve ser uma absoluta exceção,  não regra, e foi aplaudido quando citou a pessoa do ex-prefeito de Santos, David Capistrano Filho. “Tive o privilégio de ter convivido com um pregador da saúde, que foi David Capistrano, que fechou a masmorra que era o Hospital Anchieta, enfrentando toda uma discussão na sociedade. Na falta de atendimento ambulatorial satisfatório, muitas vezes se vê a internação como solução”, disse, reconhecendo que o problema afeta muito a família envolvida.
IV Conferência Nacional de Saúde Mental – Pedro Gabriel citou a oportunidade da Frente Parlamentar ser criada no ano em que acontece a IV Conferência Nacional de Saúde Mental Inter-Setorial, de 27 e 30 de junho, em Brasília. A última conferência foi realizada em 2001, mesmo ano em que foi aprovada a Lei 10.216.

Um dos eixos do evento, segundo Pedro Gabriel, será a definição do que é preciso ser feito para criar uma rede de assistência forte, o que também passa pela destinação de maiores recursos. “Hoje, há um desequilíbrio entre os recursos existentes e a capacidade do Estado prover esta rede. Destina-se pouco mais de 2% dos recursos do SUS para a saúde mental e, em contrapartida,de 13 a 14% da população procura pelo menos uma vez no ano pelo serviço”. Para Pedro Gabriel, houve de fato mudanças significativas no cenário da assistência, mas o processo está em andamento.
Prisioneiros sem crime - Regina Bichaff elogiou o apoio da Assembléia Legislativa à luta antimanicomial. “Criamos assim formas mais contundentes de avançar, de consolidar as políticas públicas. O grande desafio é a transformação social, trabalhar para produzir formas de relação dos diferentes. Se não criarmos espaços a reforma está em questionamento”.

Segundo ela, o Estado de São Paulo tem 229 centros psicossociais cadastrados no Ministério da Saúde, o que cobre apenas 50% da demanda pelo serviço. Além disso, a distribuição dos núcleos pelos municípios paulistas é desigual. Pesquisa efetuada pela Secretaria de Estado da Saúde em 2008 revelou que existiam 6.349 pacientes internados há mais de 1 ano, o mais antigo deles vivendo em hospital psiquiátrico há 67 anos.

O dado foi comparado pelo representante do Sindicato dos Psicológicos Rogério Gianini com a pena máxima que o Código Penal prevê no Brasil: 30 anos de reclusão. “Um paciente mental é mantido aprisionado há 67 anos, sem ter cometido delito algum. Interna-se para tirar da frente, o que não resolve, apenas exclui”.

Rogério cumprimentou os parlamentares pela iniciativa, lembrando que esse é um debate que precisa ser levado para fora do universo dos especialistas, usuários e familiares. “A legislação é o grande divisor de águas para que se passe a enxergar os direitos dos pacientes e trabalhar nesta perspectiva.  Mas, apesar dos avanços, o mal estar persiste devido ao desconhecimento que leva ao preconceito”.

Maria Salum, do Conselho Regional de Psicologia, propôs a inclusão dos usuários de drogas nessa luta e apontou a necessidade de qualificação profissional. “Muitos profissionais da saúde não estão capacitados a lidar com essa situação. É preciso ter maior atenção nas unidades básicas para que não seja necessário chegar ao Caps”.
Frente Parlamentar – Também integram a Frente Parlamentar os deputados estaduais Adriano Diogo, Ana Perugini, Beth Sayão, Carlinhos Almeida, Célia Leão, Donisete Braga, Ed Thomas, Geraldo Vinholi, José Bittencourt, José Cândido, Marcos Martins, Maria Lúcia Prandi, Pedro Tobias, Raul Marcelo, Roberto Felício, Rui Falcão, Hamilton Pereira e Edson Ferrarini.

Nota da Edição: Essa idéia de Frente Parlamentar de Apoio à Luta Antimanicomial é boa! 
Bom seria que todas as Assembléias Legislativas dos estados brasileiros tivessem, e principalmente o Parlamento Nacional brasileiro! Eu aposto e apoio!

Saudações Antimanicomiais,
Prof. Marco José Duarte e NEPS/UERJ

domingo, 14 de março de 2010

Lançamento da Cartilha Popular do Santa Marta - Abordagem Policial


BLOG da Plenária dos Movimentos Sociais:

Carta de um telespectador ameaçado de morte

Olá
Essa semana recebi de um amigo e também professor um texto-intervenção sobre o nosso contemporâneo, como ele mesmo diz, "minha minúscula militancia contra a 'vida fascista', inspirado em Baudelaire (O Trapeiro) e W. Benjamin, do lixo podemos encontrar valiosos acontecimentos produtores de estranhamento" (sic). Nessas nossas trocas de mensagens em rede de internet, pedi autorização do autor para publicar no BLOG do NEPS/UERJ. Luis Antônio Baptista, o autor do texto, imediatamente permitiu. E disse mais, faça circular! Na forma impressa o texto será publicado nos jornais do Grupo Tortura Nunca Mais e do Conselho Regional de Psicologia - CRP - Rio de Janeiro.
Para quem não o conhece, Luis Antônio é Psicólogo e Professor Titular do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFF com Mestrado e Doutorado em Psicologia Social e Pós-Doutorado pela  Faculdade de Sociologia da Universidade de Roma "La Sapienza". Autor dos livros: "O veludo, o vidro e o plástico: Desigualdade e diversidade na metrópole" (EDUFF, 2009), "Fábrica de Interiores: Formação Psi em questão" (EDUFF, 2000) e "Cidade dos Sábios: Reflexões sobre a dinâmica social nas grandes cidades" (Summus, 1999) e co-autor do livro "Dialética dos movimentos sociais no Brasil: por que Reforma Psiquiátrica (EncantArte, 2004). Foi um dos primeiros a teorizar sobre os Serviços Residenciais Terapêuticos na estratégica da desinstitucionalização pela Reforma Psiquiátrica brasileira. Militante do cotidiano!
Eis o texto:
Carta de um telespectador ameaçado de morte


 Jornalista Patrícia Kogut, gostaria de parabenizá-la pelas críticas a este "fenômeno dourado" na sua coluna sobre TV. Não sou fã do Big Brother Brasil, não torço por ninguém, mas não consegui ficar indiferente às imagens violentas e ao texto sobre a transmissão do vírus da AIDS reproduzidos pelo candidato favorito do público. Discordo da análise do psicanalista citado na sua coluna. O sucesso do professor de lutas, formado em educação física, não estaria na sua capacidade de ser o líder da casa. O participante representa, em sua performance, a virilidade e a sagacidade dos vencedores. Essas são qualidades desejadas pelo mercado do capitalismo contemporâneo que não suporta a fragilidade do humano. Mercado que vende formas nunca repetidas de uma almejada potência ao consumidor; uma potência triste, porque feita por vitórias fugazes que não conseguem dissipar a falta nunca saciada, a carência de não se ter e não ser mais. O candidato Marcelo Dourado encarna, para o público, a máscula vitória dos lutadores. Para os fãs ele seria um guerreiro. um 

Jornalista Patrícia, avalio que o mundo insuportável em que vivemos confunde estrategicamente fragilidade com impotência. No consumo de forças para sermos o vencedor, o outro só poderá ser o aliado para a realização do "meu projeto", ou um possível estorvo a esta meta, ou algo que precisará ser aniquilado. Penso, portanto, que o corpo tenso do candidato, exibindo o desejo de espancar a candidata eliminada do programa, não restringiria-se a uma característica pessoal. É preciso, com uma certa urgência, a destituição da autoria destes atos. Em nossos corpos habitam presenças que não nos pedem licença para ocupá-lo; transitam afetos, histórias, marcas do nosso tempo e do tempo de um outro que não conheço. Nosso corpo também é um trabalho incansável sobre tudo isto. A violência entranhada na musculatura do lutador extrapola territórios delimitados por umeu”, por uma identidade pessoal. Denotar impessoalidade a esta violência possibilita-nos escapar das prescrições moralistas: a violência não estaria nele, nem longe de mim, nem fora dos meus, mas como algo que nos passa, que atravessa espaços heterogêneos fazendo e desenhando corpos e almas de infinitas formas e texturas. A imagem reproduzida na TV apresenta-nos a encarnação da vida fascista. Na tela, atravessando a pele tatuada do candidato favorito do público, presenciamos o corpo de inúmeros assassinos de mulheres, de matadores de homens que desejam homens, de torturadores do passado e da atualidade, de um mercado vendedor de potência, da truculência policial, etc. No corpo paranóico do participante preferido pelo público, os músculos contraiam-se indicando que qualquer coisa que imprevisível fosse ameaçaria a sua almejada meta.  

Jornalista Patrícia, a Sra. percebeu o olhar de pavor do candidato no seu momento de fúria? Para a existência paranóica, o medo é o seu oxigênio; a atenção e a curiosidade não lhe servem para nada. Sem o temor, corre-se o risco de cair no abismo, de perder a segurança que lhe fornece o brilho da sua luz sempre ameaçada. O paranóico não é um guerreiro; para ele o mesmo perigo estará sempre ao seu lado ou na sua frente. Os guerreiros sabem que os perigos que irão enfrentar poderão surpreender, são imprevisíveis. Desta forma, as armas e as formas de encarar este desafio serão singulares, por isso são atentos ao mundo e a si mesmos. Nesta era das celebridades que fenecem rapidamente todo cuidado é pouco.

Cara jornalista, neste momento da minha carta é necessário fazer uma ressalva: as considerações mencionadas anteriormente não fazem parte de uma psicopatologia; diferenciam-se das categorias psicológicas que definem a paranóia e o seu individualismo como um mal estar da civilização. Este modo de existir seria um modo, entre outros, de darmos forma à existência. Formas tramadas, sofridas e enfrentadas pelas artes da política. O que sucede na casa do Big Brother ultrapassa os seus muros cenográficos. A vida fascista é despossuída de um autor específico, de um lugar ou de uma época. É uma modalidade de se viver que não tolera o frágil inacabamento do humano, reduzindo as diferenças à qualidades de tribos, raças, comunidades ou a marcas  irreversíveis do humano.  Ela está aí para ser vendida, usada, consumida ou combatida incansavelmente.

A aposta na fragilidade humana nos oferta a curiosidade e a atenção à alteridade, à diferença entendida como possibilidade de contagiar e, consequentemente, de nos incitar a descobrir outros sentidos para o mundo e para as nossas vidas.  Para este modo de existir, a curiosidade aos acontecimentos seria o oxigênio. O outro não seria um adversário, um aliado conivente, nem tampouco um irmão, mas apenas uma possível intensidade.  O vigor do frágil está na amorosa curiosidade por aquilo que o extrapola e radicalmente o faz e o desfaz sem os limites do fim. A fragilidade requer a atenção ao fora de mim e a coragem do pensamento para desfazer-se e fazer-se. É a ética e a estética da amizade. Trata-se de uma aposta, às vezes sofrida, de que a grandeza onipotente do eu ou do corpo são cínicos impostores, uma vez que somos feitos de encontros, de laços, de conexões nunca finalizadas por histórias e pela história.  Frágeis, nunca seremos impotentes.

Jornalista Patrícia, o candidato, apesar da performance contemporânea, reeditou  a "peste gay" dos anos oitenta, que delegava aos homens que desejam homens a culpa pela  propagação da AIDS. Essa culpa genocida matou muita gente e ainda o faz veladamente, ou não. No Rio de Janeiro do passado uma grande epidemia teve como agente da contaminação os ratos. Estes animais foram caçados e dizimados para estabelecer a saúde da cidade.  Para o integrante favorito do público, formado em educação física, entre uma mulher e um homem não haveria risco de contaminação pelo vírus HIV. Ratos foram mortos no Rio de Janeiro de outrora; homens que desejam homens continuam morrendo assassinados. Mortes que não dizem respeito só a eles, mas a todos nós. O corpo dourado mistura o brilho contemporâneo do mundo das celebridades às sinistras sombras do passado. A suástica inscrita nesse corpo é uma ameaça à vida, à esta força criadora que produz desassossego e atrai nossa atenção para além de nossos próprios umbigos. Destruir a autoria destes músculos tornando este corpo impessoal, abre-nos a chance de formular as seguintes questões: o que está  acontecendo agora de singular no nosso mundo? O que fazem e o que estamos fazendo das nossas vidas?  Fora vida fascista!!!

Luis Antonio Baptista
Professor Titular do Departamento de Psicologia da UFF

OBS: Patrícia o conceito de vida fascista é  criação de um guerreiro chamado  Michel Foucault.

Saudações Antimanicomiais e Anti-fascistas!
Prof. Marco José Duarte - NEPS/UERJ

terça-feira, 9 de março de 2010

Inaugurado o primeiro CAPS III do Rio de Janeiro no Complexo de Atendimento à Saúde da Rocinha - 08/03/2010

Lula diz na Rocinha que bandidos também se escondem em 'prédios chiques de Copacabana'

Publicada em 08/03/2010 às 15h42m por Cássio Bruno - O GloboReuters
Acompanhado de Dilma e Cabral, Lula inaugura complexo esportivo na favela da Rocinha, mais  uma obra do PAC - Foto: Marcia Foletto/O Globo
RIO - Em discurso na favela da Rocinha, uma das maiores do Rio de Janeiro, e, palco de constantes confrontos entre policiais e traficantes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou nesta segunda-feira que a presença de bandidos não é exclusividade das comunidades pobres do Brasil.

- Acabou o tempo em que as pessoas não olhavam para cá (Rocinha). É verdade que a Rocinha deve ter algum bandido. É verdade que no Pavão-Pavãozinho deve ter algum bandido e no Complexo do Alemão também, mas quem disse que não tem bandido naqueles prédios chiques em Copacabana? Quem disse que não tem bandido em outros lugares desse país? - questionou o presidente durante a inauguração de um complexo esportivo na Favela da Rocinha, na Zona Sul do Rio, uma das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Para ele, é a população mais carente quem sofre com este tipo de preconceito:
- O que é mais grave é que os perseguidos são os pobres dos morros e nós, tanto eu, como o Sérgio Cabral e o prefeito (Eduardo Paes), estamos convencidos de que as pessoas precisam é de oportunidade. É levar a elas cultura, educação, possibilidade de lazer e de trabalho, que nós estaremos construindo homens e mulheres de bem nesse país e não bandidos e traficantes.
Lula voltou a afirmar que as comunidades pobres do Brasil foram abandonados por governos anteriores e, que seu objetivo é dar dignidade e oportunidades aos menos favorecidos.
Apesar de estar chegando ao fim do seu governo, Lula, afirmou que ainda se sente vítima de preconceito de parte da elite nacional que até hoje não se conforma em ter sido governada por um metalúrgico sem diploma.
- Todo mundo sabe que eu tenho casco duro, que se dependesse de bordoada não estaria onde estou porque uma parte da granfinagem desse país não aceita que um metalúrgico seja um presidente da República e, que um metalúrgico tem feito mais que eles - disse.

O presidente estava acompanhado da ministra Dilma Rousseff, pré-candidata do PT à Presidência, e de outros cinco ministros: Franklin Martins (Comunicações), José Gomes Temporão (Saúde), Orlando Silva (Esportes), Márcio Fortes (Cidades) e Carlos Lupi (Trabalho).
Lula inaugurou as primeiras obras do PAC na comunidade. Com investimento de R$ 231,2 milhões, foram entregues, além do centro esportivo, um Complexo de Atendimento à Saúde (CAS), que irá abrigar uma Unidade de Pronto-Atendimento (UPA 24h), um Centro de Saúde da Família e um Centro de Atenção Psicossocial.
Fonte: http://oglobo.globo.com/pais/mat/2010/03/08/lula-diz-na-rocinha-que-bandidos-tambem-se-escondem-em-predios-chiques-de-copacabana-916012520.asp

Nota da Editor:
Cabe ressaltar aqui sobre esse CAPS - Centro de Atenção Psicossocial. Ele é um CAPS III - o primeiro do município do Rio de Janeiro, que foi inaugurado hoje, dia 08 de março - Dia Internacional de Luta das Mulheres - e batizado de MARIA DO SOCORRO SANTOS - Pintora e militante do movimento da luta antimanicomial do Rio de Janeiro, falecida em março de 2005. No convite da Gerência de Atenção Psicossocial - Coordenação de Saúde Mental - Superintendência de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro tem uma pintura (acima reproduzimos) e uma frase dela, que diz assim "Queremos uma sociedade em que Ninguém vai te excluir, mas sim incluir.  A nossa sociedade vai ser igual à sociedade de cada um” (Maria do Socorro Santos).


Caso tenha interesse em conhecer suas obras artísticas - suas telas, sua vida e o Projeto Maria do Socorro Santos (Instituto Franco Basaglia/Balcão SOS/Pinel) bem como a homenagem póstuma pelo Prof. Eduardo Vasconcelos, acesse o link abaixo:
http://www.rubedo.psc.br/socorro.htm

Parabéns a todos nós que construímos no cotidiano a política de saúde mental - a Reforma Psiquiátrica!
Saudações Antimanicomiais,
Prof. Marco José Duarte - NEPS/UERJ

terça-feira, 2 de março de 2010

Conferência Municipal de Saúde Mental - Intersetorial - Rio de Janeiro


IV CONFERENCIA MUNICIPAL DE SAÚDE MENTAL - INTERSETORIAL
Cidade do Rio de Janeiro

Reproduzimos na íntegra a Circular 01/03/2010 da Coordenação de Saúde Mental da Secretaria de Saúde e Defesa Civil do Município do Rio de Janeiro:

"A Coordenação de Saúde Mental está organizando a IV Conferência Municipal de Saúde Mental do município do Rio de Janeiro que se realizará nos dias 28,29 e 30 de abril do corrente ano.
 A Comissão Organizadora realizou sua primeira reunião no dia 04 de janeiro, buscando com bastante antecedência se preparar para um evento tão significativo e esperado por nós, trabalhadores de saúde mental.
Pela primeira vez em sua história, a Conferência será intersetorial, o que implica em uma distribuição de delegados, convidados e observadores que extrapola a área de saúde mental, diferentemente das Conferências anteriores.
Começamos com um grupo pequeno que está concluindo sua composição para refletir essa nova proposta de distribuição, qual seja, 70% da área de saúde mental e 30% intersetorial, distribuição esta que só tivemos ciência após a publicação do Regimento da IV Conferência Nacional de Saúde Mental, que se deu em 12 de fevereiro.  A Comissão se reúne regularmente, todas as segundas-feiras e conta com profissionais, gestores, usuários, representante do conselho  municipal de saúde, de prestadores e de parceiros de outras secretarias como educação, assistência social e trabalho.  Em breve deverá ser publicada em DO a Comissão Organizadora da IV CMSM.
Até o momento, as informações que temos a divulgar são as que se seguem:
Data: 28, 29 e 30 de abril
Local: a definir
Participantes: Lembrando que a Conferência é aberta, ficaram assim distribuídas as vagas por categoria, em um total de 303 participantes pré-definidos.
·        Delegados (com direito a voz e voto):   239
·        Convidados (com direito a voz):               40
·        Observadores (sem direito a voz e voto): 24
Quanto aos delegados:
·        41 gestores/prestadores
·        41 profissionais de saúde mental
·        82 usuários/familiares
·        54 intersetorial
·        21 membros da Comissão Organizadora
(+ 20% das vagas de cada segmento para delegados SUPLENTES)
           Quanto aos observadores:
·        Representantes de entidades envolvidas com o tema da saúde mental e deverão seguir o critério de 70% de representantes da saúde e 30% de parceiros intersetoriais

A definição das vagas para profissionais de saúde mental, intersetoriais e de observadores, assim como os 20% das vagas de suplência de cada segmento se dará nos fóruns ampliados de saúde mental, que serão divulgados em todos os serviços de saúde da área, nos conselhos distritais, etc. e convocados especificamente para esse fim. Os articuladores estarão à frente dessa organização, contando com o apoio das coordenações das CAPs.
A definição das vagas para usuários/familiares, assim como os 20% das vagas de suplência se dará em assembléias de usuários convocadas pelos articuladores e os CAPS, amplamente divulgadas nos serviços de saúde mental da área, convocadas especificamente para esse fim. Os articuladores, juntamente com os CAPS e as coordenações das CAPs assumirão essa empreitada.
Os articuladores já estão de posse do total de delegados e observadores, correspondente as suas áreas, para serem eleitos nos fóruns ampliados e nas assembléias, nos quais um ou mais representantes da Coordenação de Saúde Mental estarão também presentes.
Nossos articuladores estão à disposição para esclarecer quaisquer dúvidas sobre a IV CMSM, lembrando que ainda há diversas etapas por concluir.
Aproveitamos a oportunidade para comunicar que o primeiro CAPS III será inaugurado no próximo dia 08 de março, dia Internacional da Mulher, e coincidência, já havia sido batizado como nome da usuária Maria do Socorro Santos. O CAPS Maria do Socorro localiza-se na Estrada da Gávea, s/ número, curva do S.
Assim que tivermos a informação sobre o horário, enviaremos convite digital a todos.
Abraços,
Pilar Belmonte
Coordenadora de Saúde Mental - SMSDC-Rio"

Em Defesa da Reforma Psiquiátrica Antimanicomial
Saudações Antimanicomiais
Prof. Marco José Duarte - NEPS/UERJ