O equívoco das internações involuntárias em São Paulo
Com amplo trabalho realizado com dependentes químicos, o psicanalista Antonio Lancetti questiona a decisão do governo de São Paulo de implantar a internação involuntária para diminuir o número de usuários de drogas nas ruas.
(Antônio Lancetti é psicanalista, autor de Clínica Peripatética - Editora HUCITEC)
"Por que o Governo do Estado decidiu justamente agora deflagrar
novamente uma caçada aos usuários de crack do centro de São Paulo?
Por que agora depois do fracasso de um ano de prisões, internações
involuntárias e voluntárias por “convencimento obrigatório”- isto é,
pessoas que assinaram sua internação para não serem indiciadas como
traficantes, pois a lei não especifica qual a quantidade que diferencia
usuário de traficante?
Por que justamente agora que o governo municipal está iniciando uma
nova gestão redeflagram uma guerra contra os drogados pobres e
miseráveis da cidade?
Por que reiniciar outra guerra urbana depois da malsucedida guerra
contra o “crime organizado” que resultou na morte de tantos inocentes?
É absolutamente certo que em determinadas situações extremas é
necessário internar uma pessoa como medida de proteção, quando se
conhece a pessoa, sua história e se tem construído um vínculo de
confiança, mas isto deve ser uma exceção e não uma regra. As internações
feitas no atacado além de constituir um flagrante desrespeito aos
direitos humanos são ineficazes pelas seguintes razões:
- Nas cidades onde não há repressão policial como em São Paulo, os
usuários são muito mais fáceis de aceder e tratar e não acendem, como
aqui, os cachimbos na cara de qualquer um. Escondem-se para fumar. Ainda
respeitam cuidadores e autoridades.
- A quase totalidade de pessoas internadas involuntariamente
quando encaminhadas às Unidades de Acolhimento Provisório (em São Paulo
tem várias delas destinadas a dar um tempo de seis meses para as pessoas
organizem suas vidas) não conseguiram ficar por mais de alguns dias e
não aderem a qualquer tratamento, eles dizem: “passei seis meses
rezando, já paguei, agora já posso usar”. A maioria dos usuários da
cracolândia já foi internada.
- É muito deprimente para médicos, enfermeiros e agentes de saúde
que com tanta dedicação conseguem começar a tratar de suas infecções,
de suas doenças sexualmente transmissíveis ficarem sabendo que a polícia
e a Guarda Municipal nos famosos “rapas” lhes tomam as mochilas com os
documentos e os antibióticos ou antivirais. Na prática a ação policial
só atrapalhou a ação da saúde.
- Na prática, quando se interna alguém com sérias dificuldades de
saúde os funcionários de hospitais públicos têm muita resistência e
expressam rejeição tanto de pacientes como de agentes de saúde e
enfermeiros que os acompanham. É preciso capacitar esses técnicos para
essa difícil tarefa.
- Os funcionários das unidades de saúde da periferia de São Paulo
hoje se vem obrigados a lidar com o fenômeno de novas concentrações de
usuários de crack. Eles se espalharam pela cidade e se tornaram mais
arredios.
Nos EUA foram presas milhões de pessoas e não conseguiram
exterminar o consumo dessa droga para pobres. Enquanto a droga é
proibida o mercado negro torna-se incontrolável. Nenhuma droga
adulterada sumiu do mercado por proibição, algumas foram substituídas
por outras como aqui a cocaína injetável pelo crack.
Pensemos: como o crack pode ser considerado uma epidemia se a
substância é inerte? Quem paga o advogado da centena de pessoas que esta
presa? A que se dedicarão quando saírem daqui a alguns anos da prisão?
A que lugares essas pessoas serão conduzidas? Quem ler estas linhas
tem ideia dos locais onde essas pessoas passarão meses de suas vidas?
Por que insistir com ações desintegradas e não realizar uma ação conjunta com as novas autoridades municipais?
No Brasil inteiro estão ocorrendo capacitações de policiais para
atuarem em parceria com as redes de saúde e assistência. Por que São
Paulo não quer aprender?
Não se pode resolver com medidas simplistas problemas tão complexos. E
é por isso que os municípios que adotaram a Redução de Danos e estão
criando suas redes de Consultórios na Rua, leitos para desintoxicação em
hospitais gerais, UPAS para pacientes graves, Centros de Atendimento
Psicossociais CAPS A D (Alcool e outras drogas) de funcionamento durante
as 24 horas do dia, casas para reorganizar a reabilitação e a vida com
trabalho, moradia, relação com a família e a comunidade, estão
avançando. É preciso conhecer o sério e belo trabalho de São Bernardo do
Campo.
Pode ser que desde o ponto de vista do marketing a operação seja, por
pouco tempo, um sucesso, mas ela vai dificultar o trabalho sanitário e
corremos o risco de ser penalizados mundialmente."
Fonte: http://www.revistabrasileiros.com.br/2013/01/08/o-equivoco-das-internacoes-involuntarias-em-sao-paulo/
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