quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Mídia coloca "Epidemia de Crack" entre aspas! Até que enfim!

Governo libera R$ 738 milhões sem

 

 conhecer 'epidemia' de crack

 

Pesquisa que embasa programa custou R$ 6,9 milhões e não está pronta.
Governo admite desconhecer a realidade, mas diz que projeto é 'prioritário'.

Tahiane Stochero, Glauco Araújo e Marcelo AhmedDo G1, em São Paulo
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O filósofo chinês e estrategista militar Sun Tzu, famoso pelo livro "A arte da guerra", já dizia, cinco séculos antes de Cristo, que é necessário conhecer o inimigo para ganhar uma guerra. Um ano depois de o governo federal lançar o programa "Crack, é possível vencer", destinando R$ 4 bilhões até 2014 para combater o avanço da droga no país, o inimigo permanece uma incógnita.
(O G1 publica, nesta semana, uma série de reportagens sobre o consumo de crack e como é feito o tratamento de dependentes. Foram ouvidos os órgãos públicos responsáveis pelo atendimento aos usuários e pelo combate ao vício, como o Ministério da Saúde e Secretaria Nacional de Segurança Pública, além de pesquisadores, médicos e pacientes. O governo federal liberou recursos para estados e municípios sem conhecer a dimensão do problema.)
Números exclusivos obtidos pelo G1 apontam que, em 2012, o governo liberou R$ 738,5 milhões para combater o que considera uma epidemia. Desse montante, R$ 611,2 milhões foram para o Ministério da Saúde, R$ 112,7 milhões para o Ministério da Justiça e R$ 14,6 milhões para o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

O dinheiro, porém, pode estar sendo gasto às cegas. Apesar de admitir que considera a droga uma "epidemia" no país, o governo reconhece que não sabe o perfil dos usuários nem onde eles estão nem qual é a melhor forma de tratá-los (leia abaixo). "Estamos rastreando e assumindo isso, mas não é fácil mensurar, porque é um problema que não temos dimensão e ainda descobrindo qual é a melhor política pública para combatê-lo, mas estamos correndo atrás", diz Helvécio Magalhães, secretário nacional de Atenção à Saúde e responsável pelo tema do crack no Ministério da Saúde.
O plano "Crack, é possível vencer", do governo federal, prevê aplicação de R$ 4 bilhões até 2014 em ações contra o avanço da droga no Brasil.
O governo demorou a responder sobre o problema do crack e acho que ainda não respondeu. Acho tudo isso uma enrolação"
Ronaldo Laranjeira, coordenador da Unidade
de Pesquisa em Álcool e Drogas da Unifesp
É possível vencer?
Lançado em 7 de dezembro de 2011, o plano "Crack, é possível vencer" prevê um trabalho conjunto entre os governos federal, estaduais e municipais nas áreas da saúde, segurança pública, defesa de fronteiras e assistência social.
Apesar de ser um ponto de partida para resolver o problema, ainda há grandes desafios a serem vencidos, segundo especialistas e integrantes do governo. 

O crack é uma pedra branca, derivada da cocaína, geralmente queimado em cachimbos para ser consumida. Os efeitos são sentidos em minutos e passam rápido, provocando problemas neurológicos, respiratórios, entre outros. O elevado grau de dependência faz com que os usuários gastem muito dinheiro para manter o vício e, em alguns casos, passem a morar nas ruas e viver uma rotina de consumo coletivonas chamadas cracolândias.
Até agora, 13 estados e o Distrito Federal aderiram à parceria com o governo federal para combater o crack, permitindo a abertura de 574 novos leitos, 4,1% dos 13.868 que a área da Saúde quer criar até 2014. Pelo acordo, estados e municípios recebem recursos para capacitar profissionais e construir unidades de atendimento aos dependentes, além de equipamentos para policiais e guardas municipais.
Ao assinar a parceria, o estado se compromete a adotar as "regras" do Planalto no combate ao crack: realizar internações involuntárias (contra a vontade) quando um médico vê risco de vida para o paciente e concentrar esforços no tratamento do usuário, não na repressão policial.
Repasse de recursos
Pelo programa, o dinheiro, antes usado para repressão policial da venda da droga, agora é empregado para tratamento de dependentes. O investimento, no entanto, não tem efeito garantido. Segundo especialistas, o governo pode estar desperdiçando os recursos por desconhecer a dinâmica do crack no país, não suprir a grande procura por leitos e apoiar a internação involuntária.
"O Ministério da Saúde é incompetente em transferir recursos públicos para os municípios. Qual clínica de desintoxicação que foi inaugurada com recurso federal? O governo federal demorou a responder sobre o problema do crack e acho que ainda não respondeu. Acho tudo isso uma enrolação", disse Ronaldo Laranjeira, coordenador da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (Uniad), da Universidade Federal do Estado de São Paulo (Unifesp).
Panorama nacional em levantamento
A base do plano de combate ao crack do governo federal é uma pesquisa encomendada pela Presidência da República à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em maio de 2010, ao custo de R$ 6,914 milhões. O diagnóstico, no entanto, ainda não está pronto. Segundo o professor e coordenador da pesquisa, Francisco Inácio Bastos, não há previsão para o estudo terminar.
Temos uma epidemia [...] O crack é uma praga difícil. O mundo todo ainda está aprendendo qual é a melhor forma de lidar com ele e descobrindo qual é a melhor política pública para combatê-lo"
Helvécio Magalhães, secretário
nacional de Atenção à Saúde
É um erro muito grande, o que está sendo feito é totalmente pirotécnico [...] o que os órgãos públicos querem pagar por paciente não cobre nem a hotelaria do paciente, nem a comida"
Joaquim Melo, presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas
Outro trabalho, da Universidade Federal de São Paulo, apontou o país como maior mercado mundial do crack, onde 2% da população faz uso da droga (2,8 milhões de jovens e adultos). De acordo com o estudo, o Sudeste concentra o maior número de usuários (46%), seguido pelo Nordeste (27%) e pelo Norte (10%).
Os dados, porém, são contestados pelo governo. "Temos uma epidemia. Mas, como nas grandes epidemias do século 20, não há dados qualitativos e quantitativos disponíveis. O crack não é como a Aids ou a tuberculose, que você pode fazer um exame de sangue e saber se está contaminado", diz Helvécio Magalhães.
"O crack é uma praga difícil. O mundo todo ainda está aprendendo qual é a melhor forma de lidar com ele e descobrindo qual é a melhor política pública para combatê-lo", completa.
Para Joaquim Melo, presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead), as estratégias adotadas estão equivocadas. "É um erro muito grande, o que está sendo feito é totalmente pirotécnico. O governo federal está preocupado com o problema, mas tem de fazer novas clínicas e equipá-las, qualificar profissionais. O que os órgãos públicos querem pagar por paciente não cobre nem a hotelaria do paciente, nem a comida".
Já o psiquiatra Paulo Roberto Telles, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), questiona o uso do termo "epidemia" para o problema. "Tivemos, entre 2006 e 2010, uma procura pelo atendimento ambulatorial de dependentes subindo exponencialmente. Mas, desde o ano passado, esta demanda vem diminuindo. Não é possível saber se isso reflete só esta realidade da região, já que nas ruas é visível o número de usuários. Mas vale questionar o que realmente está acontecendo", pondera.
'Não temos dimensão do problema'
Na sede da Fiocruz, no Rio de Janeiro, o professor Francisco Inácio Bastos reúne mais de 25 mil questionários, amontoados em um contêiner, que serão usados na pesquisa que pretende dar uma cara ao usuário de crack brasileiro. O responsável pelo estudo encomendado pelo governo aponta dificuldades em realizar um levantamento preciso sobre o tema.
"Temos que tentar sair da questão se há ou não epidemia. Na verdade, não temos dimensão e não sei se é possível um levantamento que possa corroborar ou refutar esta tese. A única forma de se chegar a todos os municípios do país seria através do Censo. Mas a amostra domiciliar não mostra a realidade das ruas. O usuário de crack não fica em casa esperando o pesquisador para responder com que frequência consome".
Temos que tentar sair da questão se há ou não epidemia. Na verdade, não temos dimensão do problema e não sei se é possível um levantamento que possa corroborar ou refutar esta tese"
Francisco Inácio Bastos, pesquisador da Fiocruz
Regina Miki, secretária Nacional de Segurança Pública, diz que crack é um problema de saúde pública (Foto: Glauco Araújo/G1)Regina, secretária Nacional de Segurança Pública,
diz que o crack é problema de saúde e reconhece
que ações foram tardias (Foto: Glauco Araújo/G1)
Conseguimos ver que o foco estava errado: ao invés de tratar o caso com visão na segurança, nosso enfoque passou a ser o usuário"
Regina Miki, secretária
Nacional de Segurança Pública
"Só vamos parar a pesquisa quando não houver mais um centavo ou alguém nos mandar parar – o que ocorrer antes. Já temos mapas, entrevistas pessoais e testes que cobrem todo o país, mas que não se destinam a estimar quantos usuários há em uma cidade, mas, sim, em um conjunto de cenas. Já nas capitais, conseguiremos estimar um percentual da população que usa o crack", explica Bastos.
Entrevistadores ainda estão nas ruas de vários estados para concluir o levantamento, que englobará a realidade de mais de 1,2 mil cracolândias no país.
Maior mercado do mundo?
Coordenadora do programa "Crack, é possível vencer", a secretária Nacional de Segurança Pública, Regina Miki, não concorda com a visão de que o Brasil lidera o ranking de uso da droga.

"Em hipótese alguma somos o maior mercado. Nós temos um grande consumo, sim, mas não sabemos se é o maior ou o menor (do mundo), isso não tem como aferir", acredita ela.
A pesquisadora da Unifesp Clarice Madruga, que realizou o Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad) questionado por Regina Miki, diz que o dado foi obtido comparando-se a amostra nacional com números do Escritório da ONU sobre Drogas e Crime, que estima a quantidade de droga consumida no mundo.
"Não temos dados – nem aqui e nem nenhum outro levantamento feito no Brasil atualmente – para afirmar que existe uma epidemia, pois seria necessário conhecimento histórico do uso. Temos só o número de usuários no momento e não sabemos se aumentou ou diminuiu nos últimos anos. Não temos uma série histórica que embase isso", diz Clarice.
Erro de estratégia
Mesmo sem ter a real dimensão do inimigo oculto, as autoridades reconhecem que o governo "estava perdendo" a guerra contra o crack porque demorou mais de 20 anos para agir. Para Regina Miki, o país "começou a virar o jogo” em 2012 ao mudar o enfoque das ações.
"Nós assumimos que a guerra, não, mas a batalha estava perdida. E, ao assumirmos, conseguimos ver que o foco estava errado: ao invés de tratar o caso com visão na segurança, nosso enfoque passou a ser o usuário. Se persistíssemos na tendência de usar a segurança na frente do usuário, nós continuaríamos perdendo batalhas".
Usuário de crack consome a droga na Cracolândia, região no centro de São Paulo, em janeiro de 2012 (Foto: Werther Santana/Estadão Conteúdo)Usuário consome a droga em cracolândia localizda na região central de São Paulo, em foto de janeiro de 2012 (Foto: Werther Santana/Estadão Conteúdo)
Visão humana do viciado
O plano federal apoia as internações involuntárias, mas não as compulsórias. "Tem que ter um profissional capacitado que avalie que há risco e que o tratamento é necessário. Saindo do estado de choque, ele pode então ter a voluntariedade do tratamento. Nós precisamos mostrar ao usuário um outro lado da vida", afirma Regina Miki.
Magalhães, do Ministério da Saúde, concorda com o ponto de vista. "Nós apoiamos a internação involuntária em situações de risco de morte. Estamos tentando organizar uma rede mais presente, com ambulatório nas ruas, em que os médicos e enfermeiros vão conversando diariamente com eles nas cracolândias e tentando adquirir a confiança deles para o tratamento", diz. "Não se sabe ainda exatamente o que fazer com eles. O mundo todo está aprendendo", explica.
Não adianta encher as cadeias de usuários. Hoje vemos que o papel da segurança pública é mais na inteligência, na investigação, na asfixia financeira das organizações criminosas. É totalmente errado usar a polícia para retirar o dependente de crack do local"
Regina Miki, secretária
Nacional de Segurança Pública
O distribuidor, na boca, trabalha para comer. Apreender pedrinhas é enxugar gelo"
Francisco Inácio Bastos, pesquisador da Fiocruz
Para Joaquim Melo, a estratégia de atendimento ao dependente químico de forma ambulatorial é "ineficaz". "O cuidado emergencial não resolve. A solução é a internação, seja ela qual fora. Os consultórios móveis não vão solucionar o problema, vai ajudar a conscientizar o dependente da necessidade de tratamento, mas não será a fórmula de tratamento".
Para o presidente da Comissão de Estudos sobre Educação e Prevenção de Drogas e Afins da OAB de São Paulo, Cid Vieira de Souza Filho, a internação contra a vontade da pessoa só deve ser realizada em "último caso".
"Somos contra a internação compulsória, e a involuntária deve ser usada com parcimônia. É preciso dar o livre arbítrio para a pessoa, se ela tiver discernimento, para escolher ou não se quer ser internada", defende.
No caso de adolescentes, porém, o advogado defende que "o estado atue de forma enérgica para garantir a vida deles". "Muitas crianças se prostituem nas ruas apenas para comprar o crack. Mães vendem os filhos por poucos reais. Nestes casos, temos a obrigação de atuar", diz. Cid Vieira, porém, pondera principalmente em cidades do interior do país, não há estabelecimentos e agentes "adequados" para isso.
O Ministério da Saúde entende, porém, que a guerra ainda pode ser ganha. "O grande foco hoje passou a ser o tratamento, a saúde do usuário. O próprio governo americano admitiu que estratégias de erradicação da cocaína não estavam fazendo efeito sozinhas. Ainda não se sabe exatamente o que fazer, não se tem um padrão na ONU de como tratar esta dependente de crack. Está todo mundo aprendendo qual é o caminho a trilhar, mas este é um dos projetos prioritários do governo", acredita Magalhães.

Efeitos do crack - 14_12_2012 (Foto: Editoria de Arte/G1)

O FIM do SILENCIO do Prof. Dr. Antonio Nery Filho

 POR QUE ESTOU SILENCIOSO HÁ TANTO TEMPO?

Não olhei a data do meu último post, mas sei que foi há muito tempo. Tenho pensado nisto e tentado compreender esta resistência comigo mesmo e buscado as razões que  tornaram minha alma indisposta.
A mais fácil resposta vem do tempo: estou envelhecendo e já vivo trabalhando, dias mais, dias menos, desde 1980 – trinta e dois anos – com pessoas envolvidas direta ou indiretamente com o consumo de álcool ou outro tipo de droga.
Não me convenço disto porque continuo pensando, e agindo, propondo inovações como foi o caso, recentemente, do Ponto de Encontro, atividade inspirada na experiência européia e que consiste em um serviço de baixa exigência, voltado para o acolhimento de pessoas fortemente marcadas pela exclusão de qualquer possibilidade que não seja  experimentar a fome, o medo, a violência física e psíquica e a morte.
Neste Ponto de Encontro, estas pessoas encontram mãos dispostas  a tocá-las, encontram um café, um banho, encontram ouvidos sensíveis e muita, muita consideração pelo fracasso, numa sociedade cada vez mais exigente, competitiva e orientada pelo ter em lugar do ser, como já foi dito e escrito por muitos. Também ajudei a nascer o Saúde (de Cara) na Rua, atividade voltada para a informação da comunidade sobre as substâncias psicoativas, de modo lúdico, com alegria e seriedade.
Envelhecer não me fez mal; por que, então, meu silêncio? Será porque a comunidade do bairro onde está localizado o Ponto de Encontro em Salvador luta, desesperadamente, para expulsá-lo de lá, sob a justificativa de que os usuários do Serviço são bandidos, drogados, ameaçadores e que devem ser internados (ou encarcerados), longe dali?
Será que meu silêncio tem a ver com o Parlamento Brasileiro que deixou de fora da proibição de propaganda na mídia a cerveja, porque esta bebida tem teor alcoólico abaixo de 12 graus Gay Lussac, mesmo sendo o produto psicoativo mais consumido e que mais contribui para as mortes no trânsito – cidades e estradas – todos os dias, anos a fio?
Ou será que meu silêncio tem a ver com as insistentes tentativas, apoiadas por deputados estaduais e federais, de tornar empresas particulares – Comunidades Terapêuticas – beneficiárias de recursos do SUS?
Ou, será que pesa mais sobre mim as brutais intervenções dos Governos Municipais do Rio de Janeiro e São Paulo, os dois faróis que iluminam o Brasil, com a ajuda das polícias locais, recolhendo moradores de rua sob o pretexto de que são usuários do temível crack, como se fosse a droga a causa de violência e não a violência a causa de consumo do crack e outras drogas.
Pior, a Presidente da República e o Ministro da Justiça acreditam – ou dizem acreditar – na internação compulsória como solução. Aliás, devo ser justo: o Ministério da Saúde , historicamente, trata mal, muito mal a saúde mental e, por extensão, os usuários de drogas legais e ilegais e participa destas intervenções.
Li, ontem, e fiquei sem fala, um e-mail dando conta que o Governo de São Paulo não financiará mais os serviços que tenham como norte técnico a psicanálise, “porque os resultados são demorados e sem demonstração de que sejam eficazes”, isto relacionado aos portadores de autismo e outras patologias mentais. O que posso dizer? Talvez ficar em silêncio, inundado de vergonha e pensando: o que dirão meus colegas argentinos, chilenos, espanhóis, italianos e franceses sobre isto.
Há algo melhor do que a palavra para dar conta de nossa condição humana?
Será que meu silêncio tem a ver com uma mídia nacional que se interessa mais pelo horror disfarçado em reportagens pseudocientíficas, do que pela informação técnica, honesta?
Devo silenciar novamente: acabo de falar longamente com a Coordenadora do Ponto de Encontro; fico sabendo que pouco mais de uma dezena de pessoas, aquelas que não têm mais do que a violência para lidar com o mundo, apareceu no serviço, alguns alcoolizados, provocadores, outros, mais cordatos, querendo “encarar os problemáticos” fisicamente; os moradores convocaram a polícia; um proprietário queixou-se que sua família estava refém daquelas pessoas e se fazia porta-voz da insatisfação pela convivência com uma gente meio-animal, meio-bandida, meio-drogada e, só um pouco, ainda gente.
Na voz de minha colega Diretora, um quase desespero, um quase pedido de socorro, um quase sofrimento explícito, mas, e isto foi o que me animou, havia também em sua voz uma forte determinação de continuar buscando soluções técnicas “de lutar a boa luta”. Decidi que vou ficar menos silencioso.
Prof. Dr Antonio Ney Filho, psiquiatra, Fundador e Coordenador geral do CETAD (Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas) da Faculdade de Medicina da Bahia/UFBA. Autor de vários livros e artigos sobre o tema.
Sobre o CETAD/UFBA:  http://twiki.ufba.br/twiki/bin/view/CetadObserva/WebLinks
Fonte: http://conversandocomnery.wordpress.com/2012/12/11/por-que-estou-silencioso-ha-tanto-tempo/

BAHIA: Internação compulsória é limpeza social, diz titular do Cetad


A polêmica da internação compulsória de usuários de crack, da maneira que vem sendo desenvolvida nos estados de Rio de Janeiro e São Paulo, vem sendo debatida em todo o país e, por enquanto, a Bahia não tem nenhum plano institucional para desenvolver política semelhante. O psiquiatra Antônio Nery Filho, coordenador-geral do Centro de Estudos e Terapia de Abuso de Drogas, comemora o fato de o governo recusar este remédio amargo e diz que, em última análise, a internação contra a vontade do usuário se trata de um método de “limpeza social”. De acordo com o especialista, diferente da internação involuntária, quando um doente corre risco de vida, a internação compulsória de dependentes químicos ocorre para que os usuários sejam retirados da visibilidade do público. Nery Filho explica que este tipo de internação é arbitrado pela Justiça, que determina quanto tempo o viciado ficará recluso, o que o torna incapaz de decidir quando poderá retornar ao convício social. No caso da internação involuntária, assim que se sente melhor o doente tem a opção de deixar o tratamento ou continuá-lo. Nery declara ser formalmente contra a internação e diz que a missão de cuidar dos usuários é de um corpo médico e não da Justiça. “Considero que o Estado não tem o direito de intervir na vida de pessoas, definindo o que é melhor para elas. No caso de São Paulo e Rio de Janeiro, as ações foram desenvolvidas por pessoal policial sob o argumento do risco e da violência dos pacientes. Nestes casos, se se trata de doentes, cabe mais ainda a intervenção da saúde de acordo com os princípios éticos apoiados na autonomia dos pacientes”, argumenta.
Do ponto de vista médico, o psiquiatra sustenta que o dependente químico raramente está fora de si o suficiente para ser declarado incapaz de tomar as próprias decisões, o que reforça a ideia de que a internação compulsória se trata de uma maneira de afastar o doente da sociedade. Ele conta que nas cidades que têm executado a política, muitas pessoas estão sendo levadas a clínicas sem nenhuma estrutura ou ainda são abandonados em cidades distantes à própria sorte. Antônio Nery Filho comemorou o fato de o Governo da Bahia e a Prefeitura de Salvador trabalharem em parceria com o Cetad e utilizarem a experiência do centro para auxiliar nas políticas públicas e tratamento dos dependentes. O centro tem mais de 30 anos de atuação e já exportou para outros estados métodos de tratamento. Entretanto, ainda há questões a resolver. “A dificuldade está na continuidade pós-desintoxicação pela carência de equipamentos, como as Casas de Acolhimento Transitório.”


Compulsão à Internação

Por Luís Fernando Tófoli
Caros Amigos Especial Saúde
Novembro 2012

As cenas são conhecidas de todos: legiões de homens, mulheres e crianças espalhando-se no vácuo social das cidades, iluminando seus rostos com o brilho inconstante de isqueiros, consumindo crack e por ele sendo consumidos. Essas imagens se repetem em todo o país, conclamando por uma resposta.

A solução parece ser simples, e vem de mais de uma fonte. Por exemplo, o doutor Drauzio Varella, divulgador de temas de Saúde, deixou claro que, na sua opinião, a saída envolve internação compulsória. O Ministro da Saúde Alexandre Padilha, emprestando legitimidade às ações controversas de recolhimento compulsório pela prefeitura do Rio de Janeiro, explicitou em abril deste ano que também considera válida a internação involuntária de adultos. Mesmo no campo da ficção, praticamente todos os personagens drogados e alcoólatras das novelas só melhoram quando são internados.

A sensação de urgência, exortada pela constante exposição das calamidades oriundas do uso e do comércio de substâncias ilegais nos inclinam a considerar a possibilidade de que, nesse caso, as políticas de Saúde aproximem-se das práticas de um estado de exceção. Ao se compreender os usuários de crack somente como doentes sem livre-arbítrio ou adictos cujos crimes sustentam seu vício, nada mais lógico para o cidadão de bem do que defender a retirada dos noias do espaço público.

SEM JUSTIFICATIVAS
Se pudermos ultrapassar a camada do “senso comum”, outras perspectivas se desdobram. No caso das internações involuntárias (decididas pela equipe contra a vontade do paciente) ou compulsórias (determinadas por decisão judicial), pode-se dizer claramente que não há evidências que justifiquem o seu uso sistemático enquanto política pública. Embora seja eventualmente necessário, quando comparado a alternativas voluntárias, o tratamento involuntário não é mais eficiente, está associado a maiores riscos éticos e não apresenta maior eficácia em termos econômicos.

A falta de justificativa é tão grande que até o conservador Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime emitiu documentos que orientam que alternativas de colaboração terapêutica são preferíveis à coerção por meios judiciais, e que a internação involuntária deve ser indicada somente quando outras formas de tratamento tiverem sido esgotadas, em casos onde haja claros riscos para a integridade do usuário e/ou seu entorno social.

ZONA CINZENTA
Entretanto, há uma enorme zona cinzenta na interpretação do que são tais riscos, o que leva à prática de abusos evidentes. O Relatório da 4ª Inspeção Nacional de Direitos Humanos, realizado em 2011 pelo Conselho Federal de Psicologia em locais de internação para usuários de drogas – em especial as chamadas comunidades terapêuticas (CTs) – demonstrou flagrantes desrespeitos aos direitos individuais e às normas sanitárias.

São preocupantes, portanto, os relatos de que o governo brasileiro esteja se movendo no sentido de financiar as CTs, legitimando-as como política pública. Isso foi ensaiado inicialmente pelo Ministério da Saúde, mas quando padrões de responsabilidade mínimos foram exigidos, as comunidades terapêuticas praticamente desistiram. Por meio da pressão de seus representantes no Parlamento – na maioria ligados à bancada religiosa – há a sinalização de que as CTs poderão receber verbas por meio da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD), que é ligada ao Ministério da Justiça.

Aqui se colocam diversas questões. Se as CTs não se submeteram à auditagem do Ministério da Saúde, podemos confiar que, ao receber o dinheiro da SENAD, elas o empregarão de forma correta e para o prol das pessoas sob tutela? É lícito que o estado laico forneça financiamento para unidades que são, na maior parte, mantidas por entidades religiosas e, por isso, já não pagam impostos? Como incluir minorias religiosas, que já sofrem preconceito, em serviços confessionais? Por que colocar dinheiro público em um sistema que é carente de evidências de efetividade a longo prazo?

HÁ ALTERNATIVAS?
Essas e outras perguntas inquietantes nos levam a refletir sobre qual modelo seria uma alternativa ao da internação. Apesar de esse ser um debate complexo, diante do que está disponível, acredita-se que solução passe por uma rede interdisciplinar, voltada para o provimento de um conjunto de ações, que incluiriam redução de danos para usuários de rua, cuidados ambulatoriais, reabilitação psicossocial, acolhimento voluntário e transitório em repúblicas terapêuticas laicas, cuidados clínicos, e internação de curta duração, em geral para desintoxicação. Construir uma rede acolhedora e multifacetada suficiente exige dinheiro, o que não é fácil em um contexto onde a repressão é a política pública para as drogas que mais recebe investimentos.

É verdade que quase todas as opções citadas – com exceção de ambulatórios – estão contempladas por recentes medidas de financiamento do Ministério da Saúde. Há, porém, dois grandes problemas a serem destacados. Um é que o foco do Ministério tem se mantido no financiamento de serviços e equipes, e não do conjunto de ações a serem realizadas. O outro advém do fato que a decisão em relação à maioria das políticas de Saúde cabe, em última instância, ao município – uma esfera política particularmente sensível à pressão local para soluções sobressaltadas.

Além disso, o que continua a ser servido pela mídia ao olho público é o já monótono espetáculo das ‘cracolândias’ – o que nos faz pensar também sobre a solicitação obsessiva desse mesmo olho público para que a mídia assim o sirva. Nesse círculo vicioso, escapam constantemente ao debate tópicos que incluem, entre outros, a efetividade da chamada Guerra às Drogas, a descriminalização do uso pessoal (como feita em Portugal), o uso de psicodélicos como novas formas de tratamento, os limites da estratégia de Redução de Danos, e até mesmo os conflitos de interesses ocultos.

Há, porém, novidades interessantes neste cenário. Iniciativas como a Rede Pense Livre, a campanha “Lei de Drogas: é preciso mudar” e o movimento pela regulamentação da maconha – só para citar alguns – causam incômodo e geram a necessidade de repensarmos as políticas públicas para drogas no Brasil, incluindo o tabaco e o álcool. Se a abordagem preponderante ao uso de drogas é eminentemente construída por valores sociais, é preciso pensá-la, necessariamente, para além do setor Saúde. Aí pode ser que encontremos esperança.

Luís Fernando Tófoli é psiquiatra e professor da Universidade Federal do Ceará.

Crack: é sempre mais fácil culpar a substância

Gabriela Moncau e Júlio Delmanto*

Um ano após a fatídica “Operação Sufoco”, conhecida como “Operação Dor e Sofrimento”, novamente janeiro se inicia sob ameaça de violações de direitos humanos na região conhecida como “cracolândia”, no centro de São Paulo.
Desta vez, o governo estadual sinaliza, inclusive em artigo publicado por sua Secretária de Justiça na Folha de S.Paulo, a disposição de implementar uma política de internação compulsória em massa de usuários de crack. Pobres, evidentemente, ou a PM e a Assistência Social levarão suas camisas de força aos Jardins e ao Morumbi?  
Inicialmente, cabe ressaltar que nem todo uso de crack é problemático. É absolutamente incorreto proceder como a Secretária e chamar de “viciado” a todo frequentador  da “cracolândia” ou usuário – qual a base utilizada para este diagnóstico?
O pânico em torno da suposta “epidemia” no consumo de crack foi construído, política e midiaticamente, sobretudo por conta das populações pobres que fazem um consumo mais visível, afinal a prática é disseminada por todas as classes sociais. É sempre mais fácil culpar uma substância do que olhar para a complexidade causadora e mantenedora da vulnerabilidade de pessoas alijadas de todos seus direitos.
Se não houvesse crack estariam resolvidos os problemas da população vulnerável de São Paulo? A utopia da guerra às drogas, que prega o desaparecimento de algumas substâncias enquanto se esbalda no dinheiro de álcool, tabaco e remédios, resolve a demanda urgente por moradia, trabalho, educação, saúde ou serve somente para desviar a atenção dos verdadeiros problemas?
Em seu artigo, a Secretária de Justiça lembra que a lei federal 10.216/2001 prevê internações involuntárias e compulsórias. De fato, tratamentos não voluntários são não só legais como necessários em casos extremos de risco de morte. No entanto, ela convenientemente esqueceu-se de outro trecho da mesma lei, que define que “a internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes”.
Esqueceu-se também que o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas tem como premissa, em seu artigo 4, o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, especialmente quanto à sua autonomia e à sua liberdade. Além disso, o artigo 22 demanda, como diretriz, a existência de um projeto terapêutico individualizado e orientado para a inclusão social.
O que o governo estadual, premido pela busca da higienização social de áreas altamente cobiçadas pela especulação imobiliária, principal financiadora das campanhas políticas no Brasil, busca fazer é transformar a exceção em norma, através da internação em massa de pessoas as quais nunca foram oferecidas outras alternativas. Um processo que além de higienista é ineficiente: o respeitado psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira indica que cerca de 98% das pessoas internadas involuntariamente sofre recaídas.
Depois de milênios convivendo com o uso de drogas utilizando de controles sociais não penais, nossa sociedade tem apostado no modelo proibicionista há cerca de um século, com resultados desastrosos. Além de não diminuir o consumo, a proibição representa não só violência do crime e do Estado e corrupção, mas também uma mentalidade autoritária que impede tratamento eficiente ao minoritário uso problemático. “Não há maior sinal de loucura do que fazer uma coisa repetidamente e esperar a cada vez um resultado diferente”, já disse Albert Einstein – até quando vamos autorizar nossos políticos a seguirem agindo de forma tão insana?  
* Gabriela Moncau e Júlio Delmanto são jornalistas e membros do Coletivo Desentorpecendo a Razão (DAR) e da Frente Nacional Drogas e Direitos Humanos. 
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/11564

CAPSad Combate o Crack de forma eficaz sem internação compulsória

Proposta de Paes de recolhimento do usuário é vista por psicóloga como "higienização" 

Jornal do BrasilMaria Luisa de Melo
L., um homem de 44 anos, mudou-se de Bonsucesso, Zona Norte do Rio, para a calçada defronte ao Centro de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas Centra-Rio, localizado em Botafogo, na Zona Sul carioca. Fez isto em busca do tratamento da sua dependência do crack e da cocaína, uma vez que por conta do vício perdeu o emprego, a família e não dispõem de dinheiro para a passagem que o levaria a Botafogo.
O tratamento que L. busca de forma extremada é oferecido gratuitamente por órgão público que rejeita a política da internação compulsória que o prefeito Eduardo Paes está adotando no Rio. No lugar de internar compulsoriamente qualquer dependente que seja, os CAPS-AD trabalham com a política de Redução de Danos.
Assim como L., pai de três filhos, dezenas de pessoas mudaram sua rotina na tentativa desesperada de buscar ajuda para se livrar da dependência química. Todos estimulados por conhecidos que encontraram a saída para as drogas no tratamento oferecido por estes CAPS-AD, unidades financiadas pelo Ministério da Saúde, desde 2002. 
Escondendo o usuário
A política diferencia-se da internação forçada de usuários de crack que já vigora para crianças e adolescentes, e que o prefeito insiste em estender. Nesta quinta-feira (25) ele, em Brasília, obteve o apoio do ministro da Saúde, Alexandre Padilha.
A opção da Prefeitura do Rio é classificada como "higienista" por especialistas em dependência química. "O que se vê hoje na cidade do Rio é uma política de higienização. Só estamos discutindo o crack porque há usuários desta droga espalhados pelas ruas. Com a internação compulsória, a intenção é tirá-los da visibilidade. E isto não deveria acontecer, porque é ineficaz", desabafou a psicóloga Silvia Tedesco, que há 20 anos lida com dependentes químicos.
Centro Psicossocial de Botafogo presta atendimento ambulatorial a usuários de crack e outras drogas
Centro Psicossocial de Botafogo presta atendimento ambulatorial a usuários de crack e outras drogas
O tratamento oferecido pelos CAPS-AD baseia-se na liberdade e na política de redução de danos. A proposta, que popularizou-se no Brasil durante a década de 70, consiste em terapia intensiva para dependentes químicos com a finalidade de fazer com que cheguem à abstinência. Ou seja, se a abstinência não for alcançada, há redução da quantidade de drogas usadas. Sem tratamento de choque como a internação, os usuários conseguem manter uma vida normal e chegam até a conciliar a terapia com trabalho e estudo.
O método, baseado no atendimento ambulatorial com equipe multidisciplinar (psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais e clínicos gerais) é, segundo dados da Organização Mundial da Saúde, o que mais funciona na recuperação dos dependentes químicos. 
Internações e recaídas
Pelo tratamento, o uso da droga não é proibido logo que iniciado. Antes pelo contrário. A psicoterapia leva o usuário a abandonar a droga por si só. Os resultados obtidos com este tipo de tratamento no mundo, segundo a OMS, podem chegar a 35%. A internação (voluntária ou à revelia), por sua vez, no máximo tem recuperado 10% dos pacientes. Outros 90% dos internados sofrem recaídas logo após a alta.
Usuário de álcool desde 12 anos e de cocaína por 22, Z.R, de 44 anos, não imagina sua vida longe do tratamento diário do CAPS-AD. Os Centros oferecem não apenas o atendimento ambulatorial, mas também oficinas de terapia ocupacional e refeições. Só não há permissão para pernoitar.
"Aos poucos estou abandonando a cocaína e já não uso mais álcool. Já estive internado, mas não adiantou absolutamente nada. Assim que saí da clínica, bateu uma vontade forte de voltar a usar droga. Não resisti. Caí em tentação e o período que passei internado não resolveu o problema", contou ele. "Eu quero parar e tenho certeza de que vou conseguir. Mas não dá para ser um tratamento de choque como a internação, as coisas têm que acontecer aos poucos", diz o dependente, que não vê com bons olhos a internação compulsória. "Se funcionasse, tudo bem, mas não funciona". 
O pintor L., o ex-morador de Bonsucesso, decidiu procurar ajuda depois de ficar desempregado. "Não tenho dinheiro para vir de Bonsucesso para Botafogo me tratar. Então, passo a semana dormindo na calçada do CAPS-AD. Tudo pelo meu tratamento", destaca o usuário que já foi internado duas vezes. 
"Limpo" há dois anos, o estudante S., 41 anos, conta que chegou ao CAPS-AD por intermédio de um conhecido, quando viu que depois de aderir ao uso de crack não tinha saída sem ajuda:
"Desde 12 anos eu usava todo tipo de droga que se possa imaginar, mas depois que aderi ao crack cheguei ao fundo do poço. É uma droga muito mais rápida que as outras. Já trafiquei e roubei para comprar pedras", confessa. "Quando tomei consciência de que a minha vida estava piorando muito mais a cada dia, aceitei a ajuda de um amigo para conhecer o CAPS-AD e estou aqui há dois anos", conta o carioca, que participa de concursos de marchinha de carnaval e voltou a estudar há um ano e seis meses.
Política higienista
Com experiência de quase 20 anos no tratamento de dependentes químicos, a psicóloga Sílvia Tedesco classifica a medida anunciada pelo prefeito Eduardo Paes como "higienista" e "despreocupada com a saúde dos dependentes químicos". 
Para ela, o método adotado pelo CAPS-AD é mais eficiente e mais comprometido com resultados a longo prazo do que as internações forçadas, que encara como uma medida emergencial inútil. 
"O tratamento ambulatorial é comprometido com o resgate daquele ser. Há uma tentativa de resgate das relações familiares. É diferente do imediatismo de se internar todos os usuários de crack para limpar as ruas. A preocupação não tem que ser com as ruas, mas com as pessoas", diz. "A Prefeitura deveria ampliar os CAPs para ter um bom resultado a longo prazo. Mas fazer melhor dá mais trabalho, né?", indaga.    
Experiência em São Paulo
Professor do Departamento de Psiquiatria e coordenador do Programa de Orientação e Assistência a Dependentes (Proerd), da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, Dartiu Xavier da Silveira aponta os ganhos da adoção da redução de danos para a saúde pública do país. 
"O usuário que não consegue ficar abstinente não vai parar de usar a droga. E este grupo que não consegue largar é maioria. O máximo que se pode conseguir, para alguns, é diminuir o uso. Assim, muitos dependentes conseguem ter uma vida normal apesar da droga. É como o bordão 'dos males, o menor' ", explica. 
O programa coordenado por Dartiu atende 700 dependentes químicos por mês e está vinculado à Prefeitura de São Paulo. Além do tratamento terapêutico, os cuidados com os dependentes consistem também na distribuição de cachimbos higiênicos. A intenção é evitar a proliferação de doenças como hepatite B e C, além de HIV.
"Ao compartilhar cachimbos feitos de latinhas de alumínio ou de outros materiais cortantes, os usuários acabam trocando entre si inúmeras doenças. Com a distribuição de cachimbos higiênicos e individuais, temos uma diminuição da problemática", diz o psiquiatra Thiago Fidalgo, também integrante do Proerd.
marialuisa.melo@jb.com.br - Jornalista do Jornal do Brasil
Fonte:  http://www.jb.com.br/rio/noticias/2012/10/25/caps-combate-o-crack-de-forma-eficaz-sem-internacao-compulsoria/#.UIoJyLqYYCw.facebook