terça-feira, 9 de junho de 2009

A internação psiquiátrica necessária não é crime (Uma interpretação em defesa do Ferreira Gullar)


Como as defesas e críticas dos artigos do Ferreira Gullar na Folha de São Paulo estão na ordem do dia, em navegação recente descobri um Blog com esse texto abaixo, que reproduzo na íntegra, para subsidiar nosso debate. Se bem que agora, nessa semana, no dia 10 de junho, poderemos assistir na TV Brasil (conforme divulguei) um momento real de debate com ele.

Saudações Anti-manicomiais!


"A internação psiquiátrica que é necessária não é crime" diz o texto de Fátima.


"NÃO É FÁCIL AMAR O DESVIANTE DO PADRÃO DE NORMALIDADE"

Por Fátima Oliveira - Médica - fatimaoliveira@ig.com.br


Ainda sobre sofredores mentais em "crise", quando a família não consegue mais lidar com o estágio de descontrole da doença e busca um "meio médico" de alívio para seu doente e uma trégua para si, saltam aos olhos as interpretações distorcidas dos artigos do poeta Ferreira Gullar: "Uma lei errada" (FSP, 12.4.2009); "A sociedade sem traumas" (Folha de São Paulo, 26.4.2009); e "Os inumeráveis estados do ser" (FSP, 17.5.2009).Gullar conviveu por meio século com dois filhos esquizofrênicos e construiu na dor credenciais morais para emitir a sua percepção de como a Política Nacional de Saúde Mental se concretiza no cotidiano das famílias e dos doentes. Não precisamos concordar, apenas admitir que falou do alto da experiência de pai-cuidador e que seus artigos brotam dum contexto especialíssimo: conhece a fundo o assunto. Embora ame a poesia do meu conterrâneo, não morro de amores pelo Gullar analista político, mas como ousar desqualificar uma voz de experiência de décadas?É imoral quem nunca ardeu, queimou e renasceu das cinzas, como Fênix, na lida com um familiar transtornado mentalmente tentar desacreditar quem, em nome da ética da responsabilidade, cuida do seu dizendo: "este poeta se manifesta frontalmente contra a Política Nacional de Saúde Mental brasileira e declara seu apoio decidido às práticas de internação (...) e que o que está certo é a lógica manicomial que o Brasil está deixando para trás" (Luciano Elia, psicanalista, diretor do Laço Analítico e consultor do Ministério da Saúde para a Saúde Mental de Crianças e Adolescentes).Ignorante da frase "Seja qual for o caminho que eu escolher, um poeta já passou por ele antes de mim" (in "Freud e os poetas"), tripudiou: "Não está sozinho, Gullar, e talvez não tenha tomado esta iniciativa de moto próprio, de moto solo. Há profissionais, em sua maioria psiquiatras sequiosos por retomar o curso retrógrado da assistência psiquiátrica". Ora me compre um bode!A lei nº 10.216 - que "Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental" - diz, sem rodeios, que é um direito da pessoa portadora de transtorno mental: "I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades" (art. 2°, parágrafo único); e não se omite e nem criminaliza a internação necessária, ao contrário, a prevê: "Art. 6°. A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos. Parágrafo único. Tipos de internação psiquiátrica: I. internação voluntária: com o consentimento do usuário; II. internação involuntária: sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e III. internação compulsória: determinada pela Justiça".Não vamos dourar a pílula: não é fácil amar o desviante do padrão de normalidade, pois é extenuante amar a quem só dá trabalho. Atire a primeira pedra quem disser o contrário. É esperado que muitas famílias, no auge do desespero, acalentem o desejo de segregá-los ou de se "aliviar" por uns tempos "forçando a barra" para uma internação. Cotidianamente, vejo tais desejos de alívio no Pronto Socorro em relação a pessoas idosas, inválidas ou doentes terminais. É cruel, mas é real. Ferreira Gullar não declarou "apoio decidido às práticas de internação" e nem advogou pelo retorno das masmorras dos manicômios... O debate tem de elevar o nível para ser sério, pois "quando nem Freud explica, tente a poesia"!

2 comentários:

  1. É no mínimo esquisito nestes "tempos de gente cortada" como diria um bom poeta, (Drumond)acreditarmos que numa ilha fantástica, habitada por seres onipotentes: o Deus Médico,o remédio salvador, as dores "sejam aliviadas", os males curados. Uma ilhaonde aqueles que amamos sejam mais bem cuidados que perto de nós...
    Talvez, nestes tempos de barbárie e solidão quando só conseguimos tocar em teclas de computadores e o máximo que nos aproximamos do outro é através do virtual, as pessoas reais, suas angústias e suas formas específicas de lidar com a vida provoquem realmente muito trabalho...estar com o outro é referenciar-se e quem deseja reconhecer o que há de anormal em si visto no outro? Certamente não podemos desconsiderar as experiências individuais nem tratar com menor-valia a luta diária de familiares, amigos, vizinhos de pessoas com sofrimento psíquico mas daí a considerá-las baluarte da verdade coletiva é um passo por demais longo para ser real, factível. Que sei eu de suas dores? Quando muito (e num esforço grandioso) consigo saber das minhas...e só neste espaço restrito de mim mesmo que posso transcender da mesmice, da ignorância e da mesquinhez para aceitar o outro, mesmo que diferente de mim, mesmo que habitado por uma outra "normalidade" diferente da minha, mas não menos verdadeira, não menos humana...
    Talvez, nestes "tempos de gente cortada" ainda tenhamos a pretensão sermos perfeitos, fantásticos, maravilhosos, imagos do BEM e tudo que nos remete às nossas incertezas, aos nossos limites nos é absolutamente estranho...anormal...deve, portanto, ser excluídos de nós, aportado para mares longíguos para que possamos descansar em nossa plenitude e racionalidade...Para que não sejamos forçados a ver o que há de estranho em nós também, porque cuidar só de "bom, do perfeito, do maravilhoso, ter uma família comercial de margarina" é o máximo nestes tempos de sociedade "fost food"
    Cuidar de quem sofre contínua e profundamente demanda um outro tipo de gente, gente que se reconhece am alguns momentos impontente, em outros cansada, em outros a "ponto de falir", gente que não tem medo de chorar e dizer "não sei como fazer", gente...e não semideuseus criados para serem eternamente felizes, sorridentes, plásticos, corretos e muito bem remunerados na sociedade, que vistam Armani e usem perfume francês legítimo em suas salas maravilhosas, gente que é sucesso, celebridade, gente-perfeita-demais para ser tocada, mexida, revirada por um ser aborígene que "surta" e leva ao desespero os seres perfeitos e fabulosos encastelados...
    De que me serve afinal a aquarela, se só aprendi a usar poucas tintas e nelas encerrei a existência do OUTRO...
    De que me servem diferentes instrumentos na orquestas se apenas produzo músicas de uma nota só...
    Ferreira Gullar poderia ter recriado suas dores e dar-nos-ia motivos bem mais fortes para crermos que realmente Freud tinha razão, a poesia pode nos salvar de nós..

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  2. É no mínimo esquisito nestes "tempos de gente cortada" como diria um bom poeta, (Drumond)acreditarmos que numa ilha fantástica, habitada por seres onipotentes: o Deus Médico,o remédio salvador, as dores "sejam aliviadas", os males curados. Uma ilhaonde aqueles que amamos sejam mais bem cuidados que perto de nós...
    Talvez, nestes tempos de barbárie e solidão quando só conseguimos tocar em teclas de computadores e o máximo que nos aproximamos do outro é através do virtual, as pessoas reais, suas angústias e suas formas específicas de lidar com a vida provoquem realmente muito trabalho...estar com o outro é referenciar-se e quem deseja reconhecer o que há de anormal em si visto no outro? Certamente não podemos desconsiderar as experiências individuais nem tratar com menor-valia a luta diária de familiares, amigos, vizinhos de pessoas com sofrimento psíquico mas daí a considerá-las baluarte da verdade coletiva é um passo por demais longo para ser real, factível. Que sei eu de suas dores? Quando muito (e num esforço grandioso) consigo saber das minhas...e só neste espaço restrito de mim mesmo que posso transcender da mesmice, da ignorância e da mesquinhez para aceitar o outro, mesmo que diferente de mim, mesmo que habitado por uma outra "normalidade" diferente da minha, mas não menos verdadeira, não menos humana...
    Talvez, nestes "tempos de gente cortada" ainda tenhamos a pretensão sermos perfeitos, fantásticos, maravilhosos, imagos do BEM e tudo que nos remete às nossas incertezas, aos nossos limites nos é absolutamente estranho...anormal...deve, portanto, ser excluídos de nós, aportado para mares longíguos para que possamos descansar em nossa plenitude e racionalidade...Para que não sejamos forçados a ver o que há de estranho em nós também, porque cuidar só de "bom, do perfeito, do maravilhoso, ter uma família comercial de margarina" é o máximo nestes tempos de sociedade "fost food"
    Cuidar de quem sofre contínua e profundamente demanda um outro tipo de gente, gente que se reconhece am alguns momentos impontente, em outros cansada, em outros a "ponto de falir", gente que não tem medo de chorar e dizer "não sei como fazer", gente...e não semideuseus criados para serem eternamente felizes, sorridentes, plásticos, corretos e muito bem remunerados na sociedade, que vistam Armani e usem perfume francês legítimo em suas salas maravilhosas, gente que é sucesso, celebridade, gente-perfeita-demais para ser tocada, mexida, revirada por um ser aborígene que "surta" e leva ao desespero os seres perfeitos e fabulosos encastelados...
    De que me serve afinal a aquarela, se só aprendi a usar poucas tintas e nelas encerrei a existência do OUTRO...
    De que me servem diferentes instrumentos na orquestas se apenas produzo músicas de uma nota só...
    Ferreira Gullar poderia ter recriado suas dores e dar-nos-ia motivos bem mais fortes para crermos que realmente Freud tinha razão, a poesia pode nos salvar de nós..

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