domingo, 14 de fevereiro de 2010

Tá Pirando, Pirado, Pirou...Loucura Suburbana....Blocos de Carnaval com usuários, técnicos, familiares - Carnaval carioca 2010


"É carnaval. Milhões de brasileiros caem na folia. No Rio de Janeiro, em todos os bairros, pululam centenas de blocos de rua. Um deles é o ‘Tá Pirando, Pirado, Pirou’, criado na Urca, em 2005, por usuários dos serviços de saúde mental e funcionários do Instituto de Psiquiatria da UFRJ. No ano passado, recebeu o prêmio ‘Loucos pela Diversidade’ do Ministério da Cultura. Neste ano, desfilou pela Av. Pasteur, com o enredo “Ser maluco é fácil, difícil é ser eu”, animado pela Bateria Batuque de Bamba.

Esse enredo, que nos convida a uma reflexão sobre a identidade e a exclusão do louco, foi proposto por João Batista, um portador de sofrimento psíquico. Ele sentiu na própria pele a violência do isolamento em um hospício e, com base nisso, sentenciou: “ser maluco é fácil, basta você ter sua primeira internação no manicômio e o sistema faz o resto”. Concluiu, depois de ser tratado pelos novos serviços instituídos pela Lei da Psiquiatria de 2001: “Como é difícil ser eu!”. Criou, sem querer, o mote para o enredo.

A lógica manicomial dá muito pano para fantasias e alegorias, com seu tratamento agressivo, camisa-de-força, psicocirurgia e eletroencefalograma duvidoso, que não deixam o eu ser eu. Um dos bonecos gigantes que desfilou no bloco, movido por um folião, tinha o corpo, os braços e as pernas formados por caixas de psicotrópicos. “Foi comovente ver ex-pacientes de longos anos de internação num macro-hospício participando da evolução da comissão de frente” declarou a psicóloga Rosaura Braz.

O desfile do bloco “Tá pirando” carnavalizou, dessa forma, as idéias de Michel Foucault que estudou, no seu livro História da Loucura na Idade Clássica, as diferentes formas de tratar os distúrbios mentais nos últimos séculos. O filósofo francês demonstrou que os loucos, que viviam vagando pelas cidades, passaram a ser internados não por razões médicas, mas com objetivo de vigiar, controlar e punir. O hospício, em vez de um lugar de cura, se tornou uma fábrica de loucos.

O enredo do bloco toca na ferida. Hoje parece absurdo, mas antes muita gente acreditava e outros fingiam crer que a loucura era contagiante, que a doença mental podia ser transmitida através do convívio e que, por isso, o louco - um doente incurável e perigoso – devia ser internado, segregado e excluído da sociedade. Essa idéia foi tão nociva, burra e interesseira quanto a crença em ‘raças inferiores’. No caso da mulata, o racismo de Lamartine Babo dava um desconto, quando cantava: “mas como a cor não pega, mulata, eu quero o teu amor”.

Já com a loucura, que ‘pega’, não havia atenuantes. O remédio para essa espécie de ‘lepra mental’, além da discriminação, era o confinamento. Criou-se o ‘medo do contágio’ como uma justificativa ideológica para impedir que os loucos ficassem vagando nos grandes centros urbanos, alterando a ordem. No entanto, nas cidades de pequeno e médio porte, onde o poder político era, felizmente, fraco ou incompetente para organizar a repressão, a idéia não vingou. Foi o caso de Manaus.

Os loucos, alguns de famílias tradicionais, circulavam livremente pelas ruas da capital amazonense, até os anos 50/60, ainda que a convivência com a população nem sempre fosse harmoniosa. Às vezes eram escorraçados pela molecada, mas freqüentemente eram tratados com respeito e conseguiam estabelecer relações solidárias com os moradores dos bairros, que em certa medida embarcavam em suas fantasias(...)


(...) Só no Rio de Janeiro, além do ‘Tá pirando’, tem o ‘Loucura Suburbana’, do Instituto Nise da Silveira, que já desfilou dez anos seguidos pelas ruas do Engenho de Dentro, e o ‘Tremendo nos nervos’ do Centro Psiquiátrico (CPRJ), que sai na Praça da Harmonia, no bairro da Saúde. Com seis meses de antecedência, eles começam os preparativos: fazem oficinas, escolhem um tema, estudam o enredo, selecionam o samba e trabalham a produção de fantasias, bonecos e estandarte.

A participação dos pacientes na produção do bloco já faz parte do próprio tratamento, porque ajuda na recuperação, colabora com a inclusão social e, sobretudo, enfrenta o estigma da loucura com coragem e alegria. Se, em francês, loucura é ‘folie’, então esses blocos incorporam os verdadeiros foliões, cuja alegria, essa sim, é contagiante (...)"

Um comentário:

  1. Prezados amigos do Blog,

    sou editor do Portal Entendendo a Esquizofrenia e acompanho com interesse o blog de vocês. Temos recebido grande número de e-mails sobre benefícios, aposentadorias e direitos das pessoas portadoras de esquizofrenia e pensamos em vocês como colaboradores. A idéia inicial seria fazermos um artigo a ser publicado no site sobre o tema, poderia ser na forma de uma entrevista, p.ex. Caso tenham interesse nesta parceria, solicito que me contactem pelo e-mail drpalmeira@gmail.com ou através do nosso Portal contato@entendendoaesquizofrenia.com.br
    Muito obrigado, um abraço e parabéns pelo blog!
    Leonardo Palmeira

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