Hospitais psiquiátricos do Rio em agonia - usuários dormem no chão!
A falta de infraestrutura e de manutenção é visível no Nise da Silveira: leitos com a estrutura de ferro cortada pela ferrugem e expostos ao contato dos pacientes, colchões rasgados, goteiras sobre as camas. No banheiro, o reboco do teto desmoronou e não há portas nas cabines, o que deixa os internos sem privacidade.
Durante a vistoria, realizada no fim de agosto, um paciente foi flagrado lavando a cabeça na pia do refeitório. Mofo e infiltrações podiam ser vistos nas paredes dos corredores, de enfermarias, banheiros e outros setores da unidade. Os poucos armários que existem estavam sem portas, e os pacientes não tinham onde guardar os pertences.
Segundo um funcionário do Nise que pediu para não ser identificado, por falta de pessoal, o tratamento dos pacientes praticamente se restringe à medicação. As atividades acontecem uma vez por semana, durante duas horas.
- Eles acabam se estapeando por qualquer coisa. É cadeirada para cima e para baixo. Teve um paciente que arrancou a orelha do outro, e um interno que teve o lábio arrancado. Ano passado, um morreu após uma briga aqui dentro. É difícil trabalhar num local desses. Muitos colegas estão adoecendo, inclusive mentalmente. Trabalhamos sob pressão de dia e de noite - relatou o funcionário.
A morte do interno que foi agredido aconteceu no ano passado, ainda sob a gestão de Oliveira. Segundo ele, um dos problemas foi a demora no atendimento. Como não há ambulância no Nise (nem no Pinel) esperou-se mais de uma hora até que o paciente fosse levado para um hospital.
A Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil informou que conta com serviço terceirizado de ambulâncias, que ficam baseadas em pontos estratégicos da cidade. "A unidade que necessita do serviço liga para a central é prontamente atendida", afirmou, em nota.
Internos fumam sem serem incomodados
No Hospital Philippi Pinel, a situação não é diferente: foram encontrados colchões e cobertores rasgados, além de madeira podre substituindo o estrado das camas. Nos banheiros, as pias estão sem encanamento e a água cai no chão, as descargas estão com defeito e não há água quente nos chuveiros.
Segundo denúncia de uma funcionária, como os armários estão arrombados e quebrados, as pacientes dormem abraçadas aos pertences para não serem roubadas. Ela relata que há briga até mesmo por causa de roupas íntimas, como calcinhas.
No refeitório, há apenas quatro cadeiras para todos os pacientes da unidade. Muitos reclamam que comem sentados no chão ou em pé. Segundo uma paciente que não quis se identificar, a refeição é regulada: se alguém derruba a comida no chão, não receberá outra. Também não é permitido repetir o prato.
- Um interno me contou que eles fazem a dança das cadeiras e quem se sentar come sentado. Isto é forma de ressocializar alguém? Que ambiente é esse de internação? - questiona o vereador Carlos Eduardo.
Apesar de a constituição proibir o consumo de cigarro dentro de hospitais e ambientes fechados, a cena é comum tanto no Pinel quanto no Nise. O funcionário do Nise relata que há brigas constantes por cigarro. Segundo ele, o vício dos pacientes é mantido por parentes, que levam os cigarros. Como nem todos recebem visitas, cria-se o tumulto.
- A enfermagem oferecia cigarro para nós se a gente se comportasse e não ficasse incomodando. Hoje eles não dão mais cigarro, mas foi aqui que aprendi a fumar, com 15 anos - revela uma paciente do Pinel.
De acordo com a secretaria, tanto no Pinel quanto no Nise da Silveira, só é permitido que os pacientes fumem no pátio. Em nota, a secretaria informou que o Pinel conta com um grande refeitório no térreo, que tem capacidade para receber todos os pacientes. E há ainda algumas copas, nos andares com espaço, para pequenas refeições no caso de pacientes que não têm condições físicas para locomoção e não podem descer até o refeitório principal. A secretaria ressaltou que a quantidade de refeições contratadas é suficiente para a alimentação de todos os pacientes, além absorver o número de refeições excedentes, quando necessário.
Pacientes do ambulatório reclamam da falta de psicólogos
A paciente Deise Correia, que tem síndrome do pânico e faz uso do ambulatório do Nise da Silveira, revela que desde o início do ano não há mais o tratamento sistemático com os psicólogos. Segundo ela, há três meses os pacientes conseguiram uma sala para realizarem reuniões de autoajuda:
- Tínhamos uma consulta uma vez por mês com uma psiquiatra e semanalmente com uma terapeuta. Isto não existe mais. Semana passada, chegou uma senhora muito mal e nós que a ajudamos. Em maio, consegui marcar uma consulta para outubro, mas a médica nova pediu demissão. Como insisti muito e pedi pelo amor de Deus que ela me desse remédio, ela me atendeu, mas só fez repetir a receita. A gente pergunta se esse hospital está acabando e ninguém sabe responder - relatou Deise.
Por causa da falta de tratamento psiquiátrico ambulatorial, o presidente da Associação dos Moradores do Entorno do Engenhão, Aníbal Antunes, organizou uma manifestação que contou com cerca de 70 pessoas no último dia 14. Antunes relata que alguns médicos se queixaram de que não têm sequer um fichário para anexar o prontuário.
- Sem terapia, não há remédio. O tratamento era semanal, passou a ser quinzenal e agora os pacientes se reúnem, fazem autoajuda e sem o profissional acompanhando. Fico sensibilizado porque tenho uma amiga que passava muito por aqui e sempre dizia que nunca havia pensado que precisaria do hospital um dia. Pedimos que o secretário de saúde crie uma solução. Se isto não acontecer, vamos fazer mais manifestações e até acionar o Ministério Público.
De acordo com a direção do Nise da Silveira, a unidade oferece reuniões de autoajuda com a participação de monitores treinados, que em alguns casos são também usuários. Há também a atuação de terapeutas ocupacionais, psicólogos e enfermeiros que participam das atividades terapêuticas, como oficinas de dança e de arte, juntamente com os pacientes.
A direção do Nise informou ainda que a unidade é antiga, da década de 40, e está passando por manutenção preventiva e obras. "A área que está com problemas de infiltrações está interditada, e todos os pacientes foram transferidos para outra enfermaria", afirma uma nota da secretaria de Saúde.
Na nota, a secretaria informou que a demanda por limpeza e manutenção de um hospital psiquiátrico é maior do que a das demais unidades: "Há casos em que os pacientes quebram equipamentos, e o serviço contratado conta com o plantonista para cuidar destes casos corretivos. Todo lixo da unidade é selecionado e separado como infectante ou não infectante, e há quantidade suficiente de colchões para reposição".
Com relação ao corte de 25% dos contratos terceirizados, a secretaria informou que ele foi realizado em contratos de alguns serviços da prefeitura, para adequação do orçamento às contas do município, não havendo perda na qualidade dos serviços prestados. "Esta medida foi adotada para que fosse possível pagar os débitos da gestão anterior e os deste ano".
Confira amanhã o estado de conservação da Colônia Juliano Moreira
Maiores Informações e vídeos sobre a vistoria:
(Matéria Publicada em 28/09/2009 às 09h35m Jornal O GLOBO)
Fernanda Baldioti
RIO - Internos dormindo no chão, fumando na enfermaria, pacientes obrigados a comer em pé, leitos sem colchão, roupas misturadas ao lixo, banheiros sem pia e sanitários esguichando água. Este foi o quadro encontrado pelo presidente da Comissão de Saúde da Câmara, vereador Carlos Eduardo (PSB), durante uma vistoria realizada no Instituto Municipal de Assistência à Saúde Nise da Silveira, mais conhecido como hospício do Engenho de Dentro, e no Instituto Municipal Philippe Pinel, em Botafogo. A crise, causada em parte pelo corte no orçamento e pelo hiato entre o que é gasto e o valor repassado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), levou o psiquiatra Edmar Oliveira a pedir demissão do cargo de diretor do Nise este mês, após dez anos exercendo a função:
- A secretaria cortou 25% dos contratos terceirizados, que são responsáveis por setores como alimentação e limpeza. Com isto, gestores que, como eu, já vinham fazendo economia, foram prejudicados. Eu já tinha cortado todos os excessos, com menos 25%, não tinha mais como trabalhar. As enfermarias estão em petição de miséria. Com essa verba, só conseguia trocar as lâmpadas - afirmou Oliveira.
Fernanda Baldioti
RIO - Internos dormindo no chão, fumando na enfermaria, pacientes obrigados a comer em pé, leitos sem colchão, roupas misturadas ao lixo, banheiros sem pia e sanitários esguichando água. Este foi o quadro encontrado pelo presidente da Comissão de Saúde da Câmara, vereador Carlos Eduardo (PSB), durante uma vistoria realizada no Instituto Municipal de Assistência à Saúde Nise da Silveira, mais conhecido como hospício do Engenho de Dentro, e no Instituto Municipal Philippe Pinel, em Botafogo. A crise, causada em parte pelo corte no orçamento e pelo hiato entre o que é gasto e o valor repassado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), levou o psiquiatra Edmar Oliveira a pedir demissão do cargo de diretor do Nise este mês, após dez anos exercendo a função:
- A secretaria cortou 25% dos contratos terceirizados, que são responsáveis por setores como alimentação e limpeza. Com isto, gestores que, como eu, já vinham fazendo economia, foram prejudicados. Eu já tinha cortado todos os excessos, com menos 25%, não tinha mais como trabalhar. As enfermarias estão em petição de miséria. Com essa verba, só conseguia trocar as lâmpadas - afirmou Oliveira.
A falta de infraestrutura e de manutenção é visível no Nise da Silveira: leitos com a estrutura de ferro cortada pela ferrugem e expostos ao contato dos pacientes, colchões rasgados, goteiras sobre as camas. No banheiro, o reboco do teto desmoronou e não há portas nas cabines, o que deixa os internos sem privacidade.
Durante a vistoria, realizada no fim de agosto, um paciente foi flagrado lavando a cabeça na pia do refeitório. Mofo e infiltrações podiam ser vistos nas paredes dos corredores, de enfermarias, banheiros e outros setores da unidade. Os poucos armários que existem estavam sem portas, e os pacientes não tinham onde guardar os pertences.
Segundo um funcionário do Nise que pediu para não ser identificado, por falta de pessoal, o tratamento dos pacientes praticamente se restringe à medicação. As atividades acontecem uma vez por semana, durante duas horas.
- Eles acabam se estapeando por qualquer coisa. É cadeirada para cima e para baixo. Teve um paciente que arrancou a orelha do outro, e um interno que teve o lábio arrancado. Ano passado, um morreu após uma briga aqui dentro. É difícil trabalhar num local desses. Muitos colegas estão adoecendo, inclusive mentalmente. Trabalhamos sob pressão de dia e de noite - relatou o funcionário.
A morte do interno que foi agredido aconteceu no ano passado, ainda sob a gestão de Oliveira. Segundo ele, um dos problemas foi a demora no atendimento. Como não há ambulância no Nise (nem no Pinel) esperou-se mais de uma hora até que o paciente fosse levado para um hospital.
A Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil informou que conta com serviço terceirizado de ambulâncias, que ficam baseadas em pontos estratégicos da cidade. "A unidade que necessita do serviço liga para a central é prontamente atendida", afirmou, em nota.
Internos fumam sem serem incomodados
No Hospital Philippi Pinel, a situação não é diferente: foram encontrados colchões e cobertores rasgados, além de madeira podre substituindo o estrado das camas. Nos banheiros, as pias estão sem encanamento e a água cai no chão, as descargas estão com defeito e não há água quente nos chuveiros.
Segundo denúncia de uma funcionária, como os armários estão arrombados e quebrados, as pacientes dormem abraçadas aos pertences para não serem roubadas. Ela relata que há briga até mesmo por causa de roupas íntimas, como calcinhas.
No refeitório, há apenas quatro cadeiras para todos os pacientes da unidade. Muitos reclamam que comem sentados no chão ou em pé. Segundo uma paciente que não quis se identificar, a refeição é regulada: se alguém derruba a comida no chão, não receberá outra. Também não é permitido repetir o prato.
- Um interno me contou que eles fazem a dança das cadeiras e quem se sentar come sentado. Isto é forma de ressocializar alguém? Que ambiente é esse de internação? - questiona o vereador Carlos Eduardo.
Apesar de a constituição proibir o consumo de cigarro dentro de hospitais e ambientes fechados, a cena é comum tanto no Pinel quanto no Nise. O funcionário do Nise relata que há brigas constantes por cigarro. Segundo ele, o vício dos pacientes é mantido por parentes, que levam os cigarros. Como nem todos recebem visitas, cria-se o tumulto.
- A enfermagem oferecia cigarro para nós se a gente se comportasse e não ficasse incomodando. Hoje eles não dão mais cigarro, mas foi aqui que aprendi a fumar, com 15 anos - revela uma paciente do Pinel.
De acordo com a secretaria, tanto no Pinel quanto no Nise da Silveira, só é permitido que os pacientes fumem no pátio. Em nota, a secretaria informou que o Pinel conta com um grande refeitório no térreo, que tem capacidade para receber todos os pacientes. E há ainda algumas copas, nos andares com espaço, para pequenas refeições no caso de pacientes que não têm condições físicas para locomoção e não podem descer até o refeitório principal. A secretaria ressaltou que a quantidade de refeições contratadas é suficiente para a alimentação de todos os pacientes, além absorver o número de refeições excedentes, quando necessário.
Pacientes do ambulatório reclamam da falta de psicólogos
A paciente Deise Correia, que tem síndrome do pânico e faz uso do ambulatório do Nise da Silveira, revela que desde o início do ano não há mais o tratamento sistemático com os psicólogos. Segundo ela, há três meses os pacientes conseguiram uma sala para realizarem reuniões de autoajuda:
- Tínhamos uma consulta uma vez por mês com uma psiquiatra e semanalmente com uma terapeuta. Isto não existe mais. Semana passada, chegou uma senhora muito mal e nós que a ajudamos. Em maio, consegui marcar uma consulta para outubro, mas a médica nova pediu demissão. Como insisti muito e pedi pelo amor de Deus que ela me desse remédio, ela me atendeu, mas só fez repetir a receita. A gente pergunta se esse hospital está acabando e ninguém sabe responder - relatou Deise.
Por causa da falta de tratamento psiquiátrico ambulatorial, o presidente da Associação dos Moradores do Entorno do Engenhão, Aníbal Antunes, organizou uma manifestação que contou com cerca de 70 pessoas no último dia 14. Antunes relata que alguns médicos se queixaram de que não têm sequer um fichário para anexar o prontuário.
- Sem terapia, não há remédio. O tratamento era semanal, passou a ser quinzenal e agora os pacientes se reúnem, fazem autoajuda e sem o profissional acompanhando. Fico sensibilizado porque tenho uma amiga que passava muito por aqui e sempre dizia que nunca havia pensado que precisaria do hospital um dia. Pedimos que o secretário de saúde crie uma solução. Se isto não acontecer, vamos fazer mais manifestações e até acionar o Ministério Público.
De acordo com a direção do Nise da Silveira, a unidade oferece reuniões de autoajuda com a participação de monitores treinados, que em alguns casos são também usuários. Há também a atuação de terapeutas ocupacionais, psicólogos e enfermeiros que participam das atividades terapêuticas, como oficinas de dança e de arte, juntamente com os pacientes.
A direção do Nise informou ainda que a unidade é antiga, da década de 40, e está passando por manutenção preventiva e obras. "A área que está com problemas de infiltrações está interditada, e todos os pacientes foram transferidos para outra enfermaria", afirma uma nota da secretaria de Saúde.
Na nota, a secretaria informou que a demanda por limpeza e manutenção de um hospital psiquiátrico é maior do que a das demais unidades: "Há casos em que os pacientes quebram equipamentos, e o serviço contratado conta com o plantonista para cuidar destes casos corretivos. Todo lixo da unidade é selecionado e separado como infectante ou não infectante, e há quantidade suficiente de colchões para reposição".
Com relação ao corte de 25% dos contratos terceirizados, a secretaria informou que ele foi realizado em contratos de alguns serviços da prefeitura, para adequação do orçamento às contas do município, não havendo perda na qualidade dos serviços prestados. "Esta medida foi adotada para que fosse possível pagar os débitos da gestão anterior e os deste ano".
Confira amanhã o estado de conservação da Colônia Juliano Moreira
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