Em tempos de IV Conferência Nacional de Saúde Mental o debate sobre Crime e Loucura entra na cena e na ordem do dia.
Abaixo destacamos alguns fragmentos só de uma unica revista - Revista Época - para exemplificar que constantemente deparamo-nos com essa questão: Crime e loucura.
Aqui não vamos resenhar as contribuições foucaultianas sobre o assunto, nem mesmo as produções mais recentes sobre o tema em contexto brasileiro, passando por Sergio Carrara e chegando a Valéria Forti. Mas nosso objetivo é provocar no leitor que faça sua própria reflexão de um processo em curso que vem sendo questionado: o tratamento encerrado nos hospitais de custódia e tratamento (assim chamado os antigos manicômios judiciários) e o sistema prissional.
Em ambas instituições o intuito é de encerrar o sujeito culpado a cumprir sua pena ou de "interná-lo" para submeter-se a um tipo de tratamento em saúde mental. A questão da prisão ou dos ditos hospitais de custódia é pura e simples de retirar do convívio social, ou seja, excluir esse "doente" e "criminoso" da sociedade, por ordem da justiça, tendo em vista o seu estatuto de periculosidade para coletividade, e pior, na maioria das vezes, sem ter nenhum tipo de cuidado, atenção e de "ressocialização" por ser considerado um portador de transtorno mental, antes ou depois de qualquer crime.
Não vamos nos alongar pois o propósito é esse mesmo, mostrar que é complexo o binônimo que envolve crime e loucura, prissão e tratamento, cadeia e hospital e em particular, para os que realmente são portadores de transtorno mental, que tem na maioria das vezes, uma existência-sofrimento, diferente dos psicopatas.
Revista Época - de 12/04/2010 -
Soltar Admar de Jesus permitiu os assassinatos em Luziânia?
Pedreiro já havia sido preso e condenado por violentar menores, mas foi solto antes de cumprir toda a pena. Laudo psiquiátrico afirma que ele deveria ficar isolado
"Um laudo psiquiátrico, produzido em agosto do ano passado, quando Admar ainda estava preso, afirma que o pedreiro é um psicopata com "grave distúrbio" e deveria ser mantido "isolado do convívio social". Mesmo assim, Admar foi libertado".
"No ano passado, o Senado aprovou projeto de lei que retoma a necessidade de realização do exame criminológico para avaliar se um preso tem ou não condição de ser colocado em liberdade condicional".
"Para o ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, Admar não deveria estar em liberdade. “Não posso dizer, identificar quem especificamente falhou, mas há uma falha desse sistema de reintegração social. Nós precisamos corrigir", disse. O direito à redução de pena está na Constituição, no Código Penal e na Lei de Execuções Penais. O ministro Barreto parece ter razão: existe sim uma falha no sistema. Segundo informações do Ministério da Justiça, divulgadas pelo Fantástico em 2009, oito em cada dez beneficiados pela progressão de regime voltam a cometer crimes. E não foi apenas Admar que matou de novo após sair da cadeia".
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI132794-15228,00.html
Justiça do DF: laudos diziam que assassino de jovens de Luziânia 'era educado e tinha coerência de pensamento'
Publicada em 13/04/2010 às 07h33m - Agência Brasil, CBN, Jornal Nacional, Anderson Hartmann, O Globo, DFTV
SÃO PAULO, BRASÍLIA - O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), divulgou nota nesta segunda-feira em que a Vara de Execuções Penais esclarece que a progressão de pena concedida ao pedreiro Adimar Jesus da Silva, de 40 anos, que confessou ter matado seis jovens em Luziânia, em Goiás, foi feita com base em dois laudos, de maio de 2009. Um deles diz que Adimar "sempre se apresentou com polidez e coerência de pensamento" e o outro, que o suspeito "não demonstra possuir doença mental, nem necessitar de medicação controlada".
Após os laudos, segundo a nota, o Ministério Público manifestou-se a favor da progressão para o regime semiaberto, "sem a concessão de benefícios externos, para que fosse providenciado o tratamento" ao preso, o que foi acatado pelo juiz Luis Carlos de Miranda. Para o juiz, Adimar demonstrou possuir condições para cumprir o restante da pena em regime de menor rigor, com "autodisciplina e senso de responsabilidade".
http://oglobo.globo.com/cidades/mat/2010/04/12/justica-do-df-laudos-diziam-que-assassino-de-jovens-de-luziania-era-educado-tinha-coerencia-de-pensamento-916321018.asp
CASO CADU
Revista Época - 20/03;2010
O doido, o daime e o crime
Qual é a relação entre o consumo religioso da ayahuasca e o comportamento psicótico do assassino do cartunista Glauco?
"Na madrugada de 1º de janeiro de 2010, o comerciante Carlos Grecchi Nunes recebeu uma ligação de seu filho mais velho, de 24 anos:
– Pai, eu tô morrendo, me salva.
Nunes, que mora em Goiânia e estava em São Paulo para passar as festas de fim de ano com a família, tentou conversar com o rapaz, mas ele estava desorientado. Aos poucos, com dificuldade, conseguiu entender que o filho estava dentro do carro, parado numa estrada de terra próximo à igreja Céu de Maria, um dos locais de culto do santo-daime, religião criada em torno de uma droga alucinógena de origem amazônica conhecida como ayahuasca. A igreja fica em Osasco, na Grande São Paulo. Nunes pegou o carro e foi em busca do filho. Quando chegou à igreja, diz ele, um homem contou que seu filho tinha deixado o local de carro:
– Estava muito pilhado e foi embora.
– Mas como você deixa o rapaz sair desse jeito de carro? – disse o pai.
– Não há problema. Deus está com ele.
Nunes diz que refez o caminho e, seguindo a orientação de um morador, encontrou o filho. “Tive de quebrar a janela do carro para chegar a ele”, afirma. “Ele tinha urinado e defecado. Estava suando, babava e tremia muito. O celular estava na mão dele, mas ele não conseguia atender às várias ligações que eu tinha feito.”
– Tô morrendo, pai, tô morrendo – repetia o rapaz.
Nunes ligou para seu outro filho e pediu ajuda. Horas depois, Cadu – como todos chamavam Carlos Eduardo Sundfeld Nunes – estava mais calmo. Diante da melhora, o pai não o encaminhou ao hospital. Nem insistiu em interná-lo numa clínica psiquiátrica, embora Cadu já tivesse dado sinais de perturbação mental e carregasse antecedentes familiares de esquizofrenia (sua mãe sofre da doença). Olhando para trás, é fácil perceber indícios de que Cadu estava a caminho de um desastre, mas a família não entendeu. Foi um erro.
Três meses depois da crise do Ano-Novo, na madrugada da última segunda-feira, o mesmo Cadu foi preso na Ponte da Amizade, em Foz do Iguaçu, quando tentava fugir com um carro roubado para o Paraguai. Trocou tiros com policiais federais e feriu um deles no braço. Interrogado, confessou diante dos repórteres que três dias antes havia matado em São Paulo o cartunista Glauco Villas Boas, de 53 anos, e seu filho Raoni, de 25, um duplo assassinato que chocou o país:
– Foi eu. Foi eu – gritou, de olhos esbugalhados, para as câmeras de televisão".
CASO "MANÍACO" DA PRAÇA
Revista Época - de 11/09/2009 -
A ciência e os assassinos
Como as descobertas recentes da psiquiatria e da neurociência ajudam a compreender os distúrbios que levam a crimes violentos
"Os cientistas procuram respostas para o comportamento dos criminosos há séculos. E suas conclusões vêm mudando muito desde que o italiano Cesare Lombroso (1835-1909) associou a tendência ao crime a características físicas, como nariz achatado, mandíbula saliente e orelhas grandes. Para ele, criminosos seriam indivíduos em estágios primitivos da evolução humana. A hipótese esdrúxula e inconsistente de Lombroso só teve um efeito: alimentar o ódio, o preconceito e o racismo. Descobertas recentes da psiquiatria e da neurociência, que se dedica a estudar as funções cerebrais, têm ajudado a compreender o que motiva alguém a matar, torturar e violentar. Pesquisas realizadas no mundo todo mostram que o comportamento violento não tem uma causa única. É resultado de uma combinação de fatores genéticos e ambientais".
"Há um intenso debate entre os especialistas sobre as causas da psicopatia. A visão tradicional afirma que o principal fator são traumas na educação e na criação. Alguém que tenha sido abandonado ou violentado na infância teria, segundo essa visão, mais chance de desenvolver psicopatia ou outros desvios de comportamento. Um dos principais representantes dessa corrente é o psicólogo americano Philip Zimbardo. Para ele, qualquer ser humano é capaz de atitudes horrendas sob certas circunstâncias.
Zimbardo defende essa hipótese controversa desde 1971, quando fez um experimento com alunos de psicologia da Universidade Stanford, nos Estados Unidos. Ele recriou o ambiente de uma prisão em laboratório e escolheu aleatoriamente 24 universitários para conviver no local durante duas semanas. Uma parte como agentes penitenciários, a outra como prisioneiros. O experimento teve de ser interrompido porque os guardas se mostraram sádicos, e os prisioneiros se tornaram depressivos e estressados. De acordo com a interpretação de Zimbardo, a sensação de anonimato pode induzir seres humanos a agir de maneira antissocial. Em seu livro The Lucifer effect: understanding how good people turn evil (O efeito Lúcifer: entenda como pessoas boas se tornam malvadas) , ele argumenta que poucos resistem à pressão que pode existir dentro de uma prisão.
Estudos recentes, porém, colocam peso em outros fatores como causadores da psicopatia – entre eles, genética e lesões físicas no cérebro. A relação entre as lesões e o comportamento infantil foi pesquisada por um dos maiores neurologistas da atualidade, o português António Damásio. Entre os casos que ele estudou está uma menina que, aos 15 meses de vida, sofreu ferimentos graves na cabeça num acidente de carro. Segundo Damásio, aos 3 anos ela começou a manifestar distúrbios de comportamento. Passou a se recusar a cumprir regras, além de brigar com professores e colegas. Mais tarde, revelou o hábito de mentir e roubar. Os ataques verbais e físicos eram constantes. Nenhum de seus irmãos – que tiveram a mesma educação e criação – manifestou atitudes semelhantes".
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/1,,EMI92652-15228,00.html
Aqui nesse Blog destacamos alguns fragmentos da mídia escrita, porém são muitas as questões que atravessam esse debate sobre Crime e Loucura no contexto da Reforma Psiquiátrica. Vamos aproveitar o ensejo da conjuntura da IV Conferência Nacional de Saúde Mental para debatermos, e os noticiários da mídia, para boas conversas. Sabendo que no meio dos especialistas desse campo diverso e em disputa de hegemonias não há consenso sobre essas questões, principalmente, quando a questão é analisada por um único viéis teórico como modelo de análise da realidade e disciplinar-científico.
Saudações Antimanicomiais
Prof. Marco José Duarte e Equipe do NEPS/UERJ
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